por André Cananéa*
Com oito filhos, frutos de três casamentos, além de 12 netos e uma bisneta, Gilberto Gil, que acaba de fazer 80 anos, não tem apenas uma carreira prolífica. Uma família também. A reunião dessa grande família – incluída, aí, os genros e as noras – é o tema do imperdível Em Casa com os Gil, uma espécie de reality show dividido em cinco episódios, disponíveis na plataforma Amazon Prime Video.
Como todo reality, o público acompanha a vida em família dos Gil durante os 15 dias de junho de 2021, quando eles ficaram confinados na bela casa de campo que o patriarca mantém em Araras, Região Serrana do Rio, distante 112 km da capital carioca, onde o casal Gil e Flora, sua terceira esposa, mora.
O fio condutor do enredo apresentado pelo tarimbado diretor Andrucha Waddington (com roteiro de Hermano Vianna, irmão de Herbert) é a escolha do repertório da turnê europeia que Gil faz, neste mês, com toda essa turma. Exatamente! O planejamento para a turnê Nós, A Gente pela Europa, que teve início dia 26 de junho na Alemanha e vai até o fim de julho (com perspectiva de passar por João Pessoa em abril do ano que vem), começou ali, naqueles dias de junho de 2021, com filhos, netos, genros e noras defendendo canções que deveriam integrar essa turnê mega familiar.
A escolha das músicas, entretanto, passa por uma certa brincadeira: um integrante da família escolhe outro para que este defenda a canção que deve ser incluída no repertório. Mas como em um amigo secreto, antes de falar o nome do escolhido, o familiar deve elencar uma série de características para o grupão tentar adivinhar… e aí, rola muito sentimento, gratidão e chororô.
Em Casa com os Gil é especialmente delicioso para os fãs do artista. Ao passo que muitas conversas relembram a carreira de Gilberto Gil e passagens importantes de sua vida – o exílio em Londres, a morte do filho Pedro, em 1990, curiosidades sobre algumas de suas canções (ele confessa que fez ‘Palco’, de 1981, como uma espécie de despedida da carreira; sim, ele pensou em desistir) etc. –, outros momentos mostram um quase octogenário (o especial registra a festa de aniversário pelos 79 anos dele) em casa, rodeado de familiares, em cenas para lá de íntimas.
Andrucha entendeu que uma série sobre a família Gil seria menos reality e mais poesia e afeto. Ainda bem. Me tocou, por exemplo, ver Gil vulnerável, deitado no sofá, coberto com uma manta, em uma sesta pós-almoço, afagado pela neta Flor, filha de Bela Gil. É diferente do Gil artista, figura pública que aparece em entrevistas, soberano em cima do palco, a sabedoria personificada em forma de gente. Ali ele é só um idoso tirando um cochilinho no sofá de casa.
E há muita conversa entre pai e filhos(as), de avô com netos(as), e papos entre família que vão de memórias de infância a privadas entupidas no banheiro, ou a calefação da casa discutida entre os anfitriões, Gil e Flora, até a questão do racismo, sofrida com intensidade não só pelo artista, como também por seus descendentes, criação de filhos, raízes familiares e muito lazer.
E, claro, há muita música. A cada canção defendida para o repertório, segue um coral improvisado para lembrar a letra, e até um ensaio completo, em tom profissional, para amarrar direitinho o show que já está em curso.
Os Gil já estão na terceira geração de músicos. Alguns dos que estão no palco ao lado de Gilberto Gil, na Europa, já trabalham com o patriarca há muito tempo. Bem Gil, por exemplo, o mais velho do casamento de Gil e Flora, não só toca com o pai nos discos, como produziu títulos recentes, como Gilbertos Samba (2014) e OK OK OK (2018).
Da mesma forma, Preta Gil tem discos lançados, enquanto a sobrinha adolescente Flor tem se arriscado na música, com a torcida do avô. E outros três descendentes - o filho José (caçula de Gil e Flora) e os netos Francisco (filho de Preta e pai de Maria Sol) e João (filho de Nara, a mais velha do autor de ‘Grão’) acabam de lançar o primeiro disco dos Gilsons, Pra Gente Acordar.
Ao passo que Em Casa com os Gil apresenta, aos velhos fãs do autor de ‘Andar com fé’, ‘Tempo rei’, ‘Aquele abraço’ e ‘Palco’, entre tantas outras, o legado familiar e também artístico de Gilberto Passos Gil Moreira, é uma ótima porta de entrada para a nova geração conhecer a história e a intimidade de um gigante da música brasileira.