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Vampiros, com afeto

publicado: 10/08/2021 08h00, última modificação: 10/08/2021 09h06
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Em ‘Céu Vermelho-Sangue’, mãe e filho tomam um voo da Alemanha para os EUA com o objetivo de curar uma doença misteriosa que a mulher carrega

tags: vampiros , netflix , cinema , andré cananéa


Embora seja um personagem romântico, mundialmente disseminado a partir do clássico Drácula, do escritor Bram Stoker, a natureza do vampiro é, em sua essência, trágica (na maldição que carrega), medonha (na forma em que se apresenta há mais de um século) e, em muitas vezes, maléfica (na maioria da literatura e da filmografia em que o personagem é destacado, sua figura, invariavelmente, vem das trevas e é o vilão da narrativa).

Como fã das histórias de vampiro há mais tempo do que eu consigo lembrar, me impressiona como esse personagem, mais do que qualquer outro que eu conheça, teve variações ao longo das décadas, sobretudo no cinema, onde, desde 1931, quando Drácula estrelado por Bela Lugosi chegou aos cinemas, transformou o personagem em sinônimo de bilheteria (me refiro ao filme da Universal como ponto de partida, e não a anteriores, como o alemão Nosferatu, de 1922, porque aqui destaco o filme como sucesso comercial, não apenas artístico).

Então já vi vampiro sedutor (para mim, cristalizado na figura de Frank Langela no Drácula de 1979), vampiro roqueiro (Garotos Perdidos, de 1987), vampiro cyberpunk (Blade, de 1998), vampira (vide Carmilla, personagem recorrente a partir de As Filhas de Drácula, 1971), vampiro pedófilo (M, O Vampiro de Dusseldorf, de 1931), vampiro caipira (Quando Chega a Escuridão, de 1987), vampiro galã (A Hora do Espanto, de 1985), vampira de skate (o iraniano Garota Sombria Caminha pela Noite, de 2014), vampiro pinguço (Um Drink Para o Inferno, de 1996, com roteiro de Quentin Tarantino), vampiro padre (no coreano Sede de Sangue, de 2009) e até um vampiro “fada”, afinal voa de dia e brilha na floresta (Crepúsculo, 2008).

Ou seja, a literatura e o cinema já criaram todo tipo de vampiro que se possa imaginar, tomando por base a lenda do príncipe Vlad III, conhecido como “O Empalador”, Vlad Tepes ou, ainda, Vlad Dracul, de onde Stoker tirou o “Drácula”. Entretanto, armas como alho, para atingir o vampiro, vieram depois, assim como outros aspectos que se tornaram comuns à figura do monstro com presas enormes e a capacidade de se transformar em morcego (ou lobo, como mostram algumas histórias famosas).

Recentemente, assisti no Netflix a uma produção alemã de vampiro que passei a incluir na minha lista de ótimos filmes dessa seara. Em Céu Vermelho-Sangue (2021), mãe e filho tomam um voo da Alemanha para os Estados Unidos com o objetivo de curar uma doença misteriosa que a mulher carrega.

O que era para ser uma viagem transatlântica tranquila, no entanto, se torna um perrengue quando um grupo sequestra o voo, exigindo dinheiro como resgate. No meio da tensão e brutalidade causadas pela situação, a mulher acaba se revelando uma vampira disposta a confrontar os meliantes. E, convenhamos, não é nada fácil ter um vampiro em pleno voo com sede de sangue, não é mesmo?

A ideia de colocar vampiro em um voo nem é nova – o cineasta mexicano Guillermo del Toro, que tem dois filmes sobre a criatura no currículo, o citado Blade e Cronos, de 1993 – já havia embarcado as criaturas da noite em um avião no livro Noturno, que escreveu em parceria com Chuck Hogan (e acabou virando série em 2014 sob o título de The Strain: Noite Absoluta).

Mas há um ponto na trama de Céu Vermelho-Sangue que dá à narrativa um diferencial importante: a relação entre filho e mãe, repleto de afeto, mesmo depois que o garoto descobre que a “tal doença” da matriarca a torna um monstro sedento de sangue. Essa sacada do roteiro rende alguns dos melhores momentos do filme.

Essa relação de afeto é encontrada em outros filmes. Me vem à cabeça, agora, Deixe Ela Entrar (2008). Baseado no livro homônimo de John Ajvide Lindqvist (editado no Brasil em 2012 pela Globo Livros) a história mostra a relação de amizade entre duas crianças – uma delas, vampiro (o título foi refilmado em 2010, nos EUA, com o título de Deixe-me Entrar, um remake bastante digno, diga-se de passagem).

Da mesma forma, Fome de Viver (1983), em que David Bowie e Catherine Deneuve formam um casal de sangue-sugas, mas ele contrai uma estranha doença que, contrariando os preceitos de imortalidade vampirescas, acaba por envelhecer. Uma condição que faz a personagem de Deneuve, repleta de ternura, buscar uma cura para o mal que assola o esposo. É fofo, mas é um fofo sinistro…

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 10 de agosto de 2021.