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Veja! Veja hoje ‘Não! Não olhe!’

publicado: 13/09/2022 00h00, última modificação: 13/09/2022 09h37
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No filme, Palmer (E) e Kaluuya (D) se veem ameaçados por uma espécie de Ovni - Foto: Foto: Divulgação

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por André Cananéa*

Não é todo dia que você entra no cinema, assiste a um filme e sai da sala completamente extasiado. Isso aconteceu comigo em Não! Não olhe!, em cartaz em todo o país. E tudo isso graças à maneira inteligente como o filme foi realizado sobre um bom roteiro que, na superfície, é apenas uma movimentada ficção científica B ambientada em um meio rural dos Estados Unidos. Mas só na superfície.

O mérito principal da obra é do diretor (e também roteirista) Jordan Peele. Peele tem 43 anos, é americano da cidade de Nova York (EUA), filho de mãe branca e pai preto - de acordo com o IMDB (banco de dados sobre cinema). Só tem três filmes, incluindo esse Não!, mas os outros dois são tão bons que ajudaram o cineasta a, rapidamente, ser alçado à condição de “the next big thing” do cinema (algo como “a próxima grande promessa”).

Se o leitor acompanha atentamente a sétima arte contemporânea, pautada pelos bons filmes, já deve ter visto os outros dois: o premiado suspense Corra e o terror Nós. Em comum, ambos trazem à tona a questão da desigualdade racial, e a apresenta de maneira soberba, com leituras sociológicas e psicológicas muito intensas, travestidas de entretenimento dos melhores.

Não! Não olhe! é apoiado nesses mesmos alicerces. Uma parte do público irá se deparar com um ótimo filme que apresenta um eletrizante suspense através de uma ficção científica intrigante. O roteiro é brilhante. De largada, o filme lança algumas peças que vão se encaixando à medida que a trama se desenrola.

O primeiro impacto do espectador é ver um macaco banhado de sangue no cenário de uma sitcom. Depois, um senhor, montado em um cavalo, desaba ao ser atingido por uma moeda, ao mesmo tempo em que uma chave perfura o animal. Mais à frente, outro cavalo se assusta ao ver seu olho refletido em um espelho durante a gravação do comercial.

Essas sequências iniciais, aparentemente desconexas, é que vão dando ao espectador a régua e o compasso para que ele consiga mergulhar nas camadas mais profundas da história que, claro, passa pelo tema racismo, pela exclusão do povo negro do protagonismo histórico, do racismo predatório. Sim, tudo isso está inserido nas metáforas da trama.

Não dá para falar muito de Não! Não olhe! sob pena de estragar a experiência do espectador. O que está no trailer é o seguinte: dois irmãos (Daniel Kaluuya, astro de Corra, e Keke Palmer, aqui, ótima) se veem ameaçados por uma espécie de nave espacial, que sobrevoa o rancho deles no meio de um imenso pasto nos confins dos Estados Unidos. Com a ajuda de um técnico em eletrônica e de um cineasta (Brandon Perea e o veterano Michael Wincott, respectivamente), eles tentam filmar o Ovni e tirar uns trocados com isso, para evitar que o rancho vá para as mãos do vizinho, uma estrela da TV que montou um parque de diversões ali perto (vivido pelo ator coreano Steven Yeun, de The Walking Dead).

Em linhas gerais, é isso. Mas não é só isso. Diferente do trailer, a maneira como vamos entendendo o que está acontecendo, sem pressa e encarando muito mistério e muita tensão, deixaria Alfred Hitchcock extremamente orgulhoso. Afinal, é do raciocínio fílmico do mestre do suspense que Peele extrai o ritmo do filme, prendendo o espectador na cadeira, ao invés de entregar sustos fáceis.

Já ouvi quem dissesse que Não! Não olhe! é uma A Vila que deu certo (aquele mesmo, de M. Night Shyamalan, que começa bem, mas vai se perdendo), ou O Ataque dos Vermes Malditos (com Kevin Bacon, lembra?) com algo a dizer. As referências são apropriadas, mas Não! Não olhe! vai bem mais além, e já nasce com lugar garantido na história dos pequenos grandes clássicos de ficção científica.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 13 de setembro de 2022.