Acho pretensioso fazer listas dos melhores filmes do ano. Quem tem capacidade, hoje, de dar conta de tudo que foi lançado nas telas, sejam elas do cinema ou do streaming? Do circuito comercial e também do off-Hollywood? Toda lista, portanto, é parcial e fico ainda mais chocado ao ver certos “perfis de cinema” revelarem seus pseudos top 10 do ano antes da estreia, por exemplo, de O Auto da Compadecida 2. O filme que chegou aos cinemas no Natal sequer teve chance de ser avaliado, é isso? Por isso, encerro o ano não com uma lista, mas com duas produções que achei soberbas e penso que é justo compartilhá-las com você, leitor.
Uma é a minissérie Disclaimer (Apple TV); a outra, o longa-metragem Jurado no 2 (Max). Em comum, ambas lidam com a ideia de verdade de maneira cativante, moralmente contundente e com narrativas surpreendentes até o último instante.
O thriller Disclaimer (sem tradução oficial) é a mais nova produção do mexicano Alfonso Cuarón, diretor de filmes como Roma e Gravidade, ambos vencedores de prêmios Oscar, e conta com uma trinca de atores cujas performances são dignas de prêmio em cada episódio: Cate Blanchett, Kevin Kline e o humorista Sacha Baron Cohen, aqui em papel dramático e sério (e eu quase não o reconheço nos primeiros minutos da série).
Disponível desde o começo de outubro, na Apple TV, Disclaimer narra a história de uma premiada jornalista, Catherine Ravenscroft (Blanchett), cuja carreira, pautada por expor crimes e transgressões, vira de ponta a cabeça ao receber o livro de um autor desconhecido, cujo enredo traz à tona um passado obscuro que a jornalista faz questão de esquecer.
A narrativa é hitchcockiana: ao longo de sete episódios de tirar o fôlego, Ravenscroft luta para descobrir quem é o autor do livro, enquanto vê sua vida profissional e familiar desmoronando a partir da história descrita no livro, que vai sendo contada em flashbacks com muito erotismo. Sacha Baron Cohen faz o papel do marido, enquanto Kevin Kline ocupa o lugar do antagonista, e os três estão soberbos nos papéis que lhes cabem.
O enredo não só tem o fôlego de um bom filme de Alfred Hitchcock: aqui Cuarón vale-se de um recurso que o próprio Mestre do Suspense lançou através do filme Pavor nos Bastidores. Sem entrar nos detalhes da obra de 1950, essa é a melhor pista que eu posso dar ao leitor, sem estragar o surpreendente final, cuja verdade não só abala a moral dos personagens que cercam a protagonista, como, muito provavelmente, a do próprio telespectador.
Jurado no 2 é 45o filme dirigido por Clint Eastwood, atualmente com 94 anos de idade. Está disponível desde a semana do Natal no streaming Max, sem ter passado pelos cinemas (muita gente aponta que a obra foi boicotada pela Warner Bros.), mas isso não importa agora. Importante é que ele é um filmaço!
Nicholas Hoult, aos 35 anos, estrela o filme. Ele volta a contracenar com Toni Collette, 20 anos depois de Um Grande Garoto, agora no papel do tal “jurado no 2”, Justin Kemp, na composição de um júri que deve condenar ou absolver um réu acusado de ter assassinado a namorada. Acontece que, à medida que os fatos vão sendo desdobrados pela acusação (Collette) e pela defesa (Chris Messina, de Argo), o próprio Kemp começa a pensar que ele próprio pode ter sido o autor do crime. E partindo dessa premissa, muitas variáveis vão balizar o julgamento e colocar em xeque o quão justa é a Justiça (a transição de uma justiça de olhos vendados para a esposa do protagonista, também vendada, logo no início do filme, é “puro cinema”, como diria Scorsese).
De 2000 para cá, esse é o 19o longa-metragem dirigido pelo astro de Três Homens em Conflito. A safra inclui Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro (vencedor de quatro prêmios Oscar em 2005, incluindo melhor filme e melhor direção) e o soberbo Gran Torino. Jurado no 2 chega para se juntar a essa nobre paleta de grandes obras da longeva e necessária filmografia de Eastwood.
Então, feliz Ano Novo, e um 2025 cinematográfico para cada um de nós.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 31 de dezembro de 2024.