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Walter Carvalho e “Ainda Estou Aqui”

publicado: 10/12/2024 09h22, última modificação: 10/12/2024 09h22
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Walter Carvalho recebeu o Troféu Aruanda que homenageou seu irmão, Vladimir, que morreu em outubro - Foto: Mano de Carvalho/Divulgação

por André Cananéa*

“Meu irmão me ensinou tudo que eu não sei! Vou repetir: Meu irmão me ensinou tudo que eu não sei!”. Com ênfase no “não sei”, a frase do cineasta Walter Carvalho, 77 anos, sobre o irmão, o também cineasta Vladimir Carvalho, que nos deixou no dia 24 de outubro deste ano — cerca de três meses antes de completar 90 anos de idade — foram proferidas em meio a um discurso emocionado na abertura do 19o Fest Aruanda, na quinta-feira passada, e ainda ecoam em mim.

De um lado, Vladimir, saudado durante a abertura do mais importante festival de cinema da Paraíba, um gênio do documentário, nome importante do cinema não só paraibano, ou brasileiro, mas de toda a América Latina. Do outro, Walter, um profissional de cinema que se notabilizou como um dos grandes diretores de fotografia do Brasil e do mundo, com uma estante de prêmios que deve ir do portão de casa ao quintal (só o IMDB cataloga, até o momento, 71 vitórias em festivais ao redor do mundo). Entre os dois paraibanos, o Troféu Aruanda, dedicado ao irmão mais velho e entregue ao mais novo naquela noite.

Preste atenção em Walter Carvalho, se é que o(a) leitor(a) ainda não fez isso. Nascido em João Pessoa, em 1947, Walter disse que coube ao irmão “lhe injetar essa coisa chamada cinema”, na qual ficou “viciado”, vício que ao invés de lhe prejudicar, lhe fortaleceu, dando ao Brasil as belíssimas imagens que estão impressas desde O Homem de Areia, do mano Vladimir, e A Canga, de Marcus Vilar, até Central do Brasil, Abril Despedaçado, Lavoura Arcaica, Carandiru, Chega de Saudade e O Céu de Suely, entre tantos outros, além de ter arriscado, com sucesso, dirigir seus próprios longas, entre eles Cazuza – O Tempo Não Para (com codireção de Sandra Werneck), Budapeste (baseado no livro homônimo de Chico Buarque) e Raul – O Início, o Fim e o Meio (sobre Raul Seixas).

Entre um filme da Xuxa (Xuxa e os Trapalhões em o Mistério de Robin Hood) e um documentário sobre Lula (Entreatos), Walter Carvalho construiu relações firmes com diretores como Walter Salles (a quem chama carinhosamente de Waltinho), Júlio Bressane (com quem trabalhou em Filme de Amor, Cleópatra e A Erva do Rato), Karim Aïnouz (com quem fez Madame Satã e O Céu de Suely) e Cláudio Assis, cujos três filmes principais (Amarelo Manga, Baixio das Bestas e Febre do Rato) foram fotografados pelo paraibano.

Mas é com Waltinho que Walter Carvalho melhor se alinhou. O irmão de Vladimir atuou em quatro longas de ficção do diretor carioca, todos elogiados e até premiados: Terra Estrangeira, Central do Brasil, O Primeiro Dia e Abril Despedaçado. Carvalho ficou de fora das produções internacionais do diretor (Diários de Motocicleta, Água Negra e Na Estrada, este inspirado no famoso livro de Jack Kerouac) e ainda do nacional Linha de Passe.

Walter Carvalho quase assinou a direção de fotografia do balado Ainda Estou Aqui, filme que narra o impacto na família Paiva quando o patriarca, Rubens Paiva, leva um sumiço da ditadura militar. “Eu até comecei a trabalhar no filme, então conheço bem a história”, afirmou Walter Carvalho à reportagem da Parahyba 103.9 FM, sem, contudo, explicar o motivo de ter deixado o filme.

A morte do irmão, em outubro, e o excesso de trabalho junto à TV Globo impediram que Walter Carvalho assistisse ao filme até o último fim de semana, “mas eu acho que o filme do Waltinho está acima de tudo que a gente possa imaginar do cinema brasileiro”, comentou.

O novo filme de Walter Salles tem sido elogiado em todo o mundo e quebrando recordes no Brasil (até agora já levou mais de dois milhões de pessoas aos cinemas e faturou quase R$ 50 milhões em bilheteria, a maior no pós-pandemia) e tem sido apontado como um dos indicados ao Oscar 2025 — a Sony Pictures, que detém os direitos internacionais, o inscreveu em oito categorias: melhor filme; melhor filme internacional; melhor direção; melhor roteiro adaptado; melhor fotografia (Adrian Teijido, que trabalhou na série Narcos; melhor montagem; melhor atriz (Fernanda Torres, indicação dada como certa) e melhor ator coadjuvante (Selton Mello).

Os indicados ao Oscar 2025 serão conhecidos somente no dia 17 de janeiro e a premiação, agendada para 2 de março. Particularmente, vejo envergadura para Ainda Estou Aqui configurar em todas essas categorias, incluindo Melhor Filme. Enxergo a produção brasileira como enxerguei o esplendido Roma, de Alfonso Cuarón, que acabou arrebatando três, das dez indicações ao Oscar 2019: Filme Internacional, Direção e Fotografia. Daqui, a gente torce para Waltinho e sua equipe voltarem repletos de estatuetas de Los Angeles.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de dezembro de 2024.