por André Cananéa*
A pergunta, pertinente, veio da minha esposa Lílian: Por que, em plena pandemia de Covid-19, as pessoas têm se interessado tanto por apocalipse zumbi? Afinal, para que ficar horas grudado na frente da TV (ou do celular) vendo a história de um vírus que provoca pânico, ansiedade e histeria e que leva muita gente à morte se é justamente disso que a gente tenta fugir há dois anos?
Ela disse isso ao vermos que All Of Us Are Dead (sem título em português), série de 12 episódios que se tornou o novo sucesso coreano na Netflix em todo o mundo, se tornando a quinta série de língua não inglesa mais vista na plataforma e sendo comparada à compatriota Round 6.
All Of Us Are Dead é novelinha adolescente em que um grupo de alunos de um colégio de Ensino Médio de uma pequena cidade da Coreia tenta escapar de uma epidemia zumbi que se proliferou a partir das dependências da escola. Para meu paladar, é muito bobinho: parece a Malhação, da Globo, com todos os clichês de morto-vivo que a gente já viu até agora. Em meio a temas da idade – bullying, paqueras e rivalidades – há muita correria de zumbis famintos em busca de carne viva e pulsante. E só.
A Coreia do Sul – que foi agraciada com o Oscar por Parasita, em 2020 – também vem se notabilizando pelo cinema de horror, e zumbis parecem ser um dos temas preferidos dos produtores audiovisuais de lá (vide Alive e o ótimo Invasão Zumbi, ambos disponíveis no Netflix). Mas é bom lembrar que se trata de um fenômeno mundial.
Por isso, muito melhor que All Of Us Are Dead é Black Summer (também sem título em português), coprodução entre Canadá e EUA, igualmente disponível na Netflix. Com duas excelentes temporadas na plataforma, a dinâmica Black Summer não perde tempo em tentar explicar os porquês do surto viral que transforma pessoas em zumbis em questão de segundos e foca na ação, se concentrando em pequenos grupos de sobreviventes que vão se encontrando ao longo da história.
A direção ágil, repleta de planos sequências – notabilizado, recentemente, pelo filme de guerra 1917 – garante, na maior parte do tempo, um clima de tensão acima do normal, com um elenco de rostos desconhecidos, mas extremamente competente, que segura as sequências aparentemente sem cortes de edição, como um bom teatro.
Além disso, a câmera na mão, com ausência desses cortes, também consegue deixar as perseguições muito mais tensas e interessantes, além de situações extremamente criativas, que colocam os personagens em enrascadas realmente desafiantes (algo que senti falta no seriado coreano adolescente).
Então é isso! Black Summer é muito melhor que All Of Us Are Dead, e tudo é uma questão de abordagem e objetivo. O seriado coreano perde muito tempo criando labirintos com becos sem saída, procurando expor a reação de jovens que procuram sobreviver ao caos (sem, contudo, se aprofundar em situações reais, como ansiedade e depressão, pincelando esses temas muito en passant), ao mesmo tempo em que sabe que precisa de muita ação para segurar a garotada.
Black Summer corta a teoria e foca na ação, intercalando-a com os dramas pertinentes de grupos formados por indivíduos desconhecidos, que podem ter algo de ruim a esconder, mas que se veem forçados a se unir para sobreviver em meio ao caos. É o grande trunfo, por exemplo, de outro grande sucesso do gênero: The Walking Dead.
Eu sempre disse que TWD (que abandonei ali pela sexta temporada) não é sobre zumbis, mas sobre pessoas acuadas por uma força externa que os mantém juntos. Na literatura, assim como no audiovisual, esse tipo de narrativa já é um clássico e já foi largamente utilizada, por exemplo, por Stephen King em muitos de seus textos (vide o conto O Nevoeiro ou a novela Sob a Redoma).
Por isso, os melhores títulos de zumbi são justamente os que não buscam um motivo para justificá-lo, mas, sim, para procurar entender os vivos, e bem vivos. Afinal, como mostra o bom cinema de ficção científica, assim como os alienígenas, os mortos-vivos são os coadjuvantes, ou a desculpa, para entendermos a alma dos humanos, nossos egoísmos, nossas tensões, nossas diferenças, o caminho mostrado por George A. Romero no seminal A Noite dos Mortos Vivos, de 1968.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 15 de fevereiro de 2022.