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Resenha

‘O Menu’ de hoje é comer com os olhos e a mente

publicado: 20/01/2023 00h00, última modificação: 23/01/2023 09h27
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Chef Ralph Fiennes (E) tenta entender o papel de Anya Taylor-Joy (D) no filme - Foto: Searchlight Pictures/Divulgação

 

por Audaci Junior*

Comer está na moda. Não que uma das vontades mais primitivas da humanidade estivesse démodé. O produzir a comida, a degustação da comida, a estética da comida, a comida em si é a “bola da vez” com os termômetros de sucessos de hastags no Instagram ou em programas de competição culinária, vide Master Chef e os seus modelos televisivos genéricos.

Por conta disso, você pode ter muita vontade de tomar um cafezinho saído diretamente da fermentação nas entranhas de um felino (para não dizer das fezes do civeta) ou ter a oportunidade de não cantar mais a música do Zeca Pagodinho e preencher seu sentido gustativo com as inéditas ovas de peixe (para não dizer óvulos maduros do esturjão com pitadas de sal).

Porém, também não pense que é “de hoje” o tema. Coincidentemente, eu estava ouvindo o podcast jornalístico Rádio Escafandro, mais especificamente o episódio 73 – A morte do crítico –, que fala sobre a “crise” dos cadernos e guias gastronômicos (como o famoso Quatro Rodas) perante a migração da publicidade para as redes sociais.

Dito tudo isso, uma variação no cardápio cinematográfico fica por conta de O Menu, que estava há pouco tempo nos cinemas e agora está disponível na plataforma de streaming Star+. O longa-metragem do britânico Mark Mylod (que dirigiu alguns episódios de Game of Thrones) faz uma mise en place com base na ironia ácida em apresentar os seus personagens, dentre eles uma insuportável crítica gastronômica (Janet McTeer, de Livre para Amar) que não se cansa de vomitar as abobrinhas vazias e pseudointelectuais sobre a “subjetividade” do que é oferecido e, no outro lado da mesma moeda, um empolgado jovem aspirante a ser expert na área (Nicholas Hoult, de Mad Max: Estrada da Fúria), a ponto de tirar a foto da comida “instagramável”.

O prato principal do filme é acompanhar os seletos 12 clientes em uma ilha particular, onde fica um renomadíssimo restaurante de um pretensioso chef (magnificamente interpretado pelo Ralph Fiennes, de O paciente Inglês). Tudo lá é sofisticado, tem conceitos além do sabor e é produzido pelo próprio ecossistema do local, isolado do resto do mundo. Tudo para produzir uma sessão (igualmente caríssima) do “jantar de uma vida”.

Temos, claro, a protagonista: Anya Taylor-Joy (de A Bruxa), que acompanha o jovem empolgado depois de uma desistência de última hora da namorada que deu o pé no seu derrière. Um “corpo estranho” no prato principal do menu elaborado com base no perfil dos convidados. O que leva ao filme perambular por gêneros sem se perder, como um prato harmonicamente coerente na sua composição para dar a “explosão de sabores” na boca de quem degusta com os olhos.

Não pense que O Menu será sofisticado como um Anjo Exterminador (1962), de Buñuel, ou ter a alma de uma A Festa de Babette (1987), de Gabriel Axel, ou ainda ter o sabor potente de um Como Água para Chocolate (1992), de Alfonso Arau. Mesmo assim, é uma pedida acima da média na levada insossa de estreias nos streamings.

Para quem vai assistir (ou rever) ao filme, um bon appetit!

*Resenha publicada originalmente na edição impressa de 20 de janeiro de 2023.