Close, em inglês, é o mesmo que “fechar”, “encerrar”, “parar” (diferente de closer, que é “mais perto”). Todas essas definições se encaixam no filme franco-belga de mesmo nome, dirigido por Lukas Dhont, e indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional deste ano (perdendo para o bélico Nada de Novo no Front).
No longa-metragem (que está disponível na plataforma Mubi), dois garotos são dilacerados pela navalha social afiada pelas “normas” cis heteronormativas e patriarcais: um menino – às portas da sua puberdade – não pode demonstrar afeto ao outro, independente de sua orientação sexual. Um garoto se “fecha” para o outro. “Para” com todas as demonstrações de afeto. Tudo isso no “encerramento” de um ciclo, da infância para a adolescência. Todos os significados do título original.
Os dois (vividos por Eden Dambrine e Gustav De Waele, em atuações arrebatadoras) brincam juntos, dormem juntos e igualmente são inseparáveis na sala de aula e nos intervalos da escola. Uma amizade sólida… até começar os “bochichos”, as indiretas e as piadas em relação ao carinho que um tem pelo outro. Os “coleguinhas” podem ser tão nocivos quanto os que provavelmente os educam, seja no (velado) seio familiar, seja na sociedade em si.
Um se fecha para o outro, que se demonstra mais sensível à mudança por conta do que os outros pensam. Sem dialogar, pois ainda estão às portas escancaradas da adolescência, o que está fechado “esfria” a amizade se debandando para praticar o hóquei no gelo, um esporte “para machos”, totalmente bruto e que não ocorrem as margens para um falatório maldoso.
Para quem acha que só existe a “pureza” ou “inocência” das crianças e adolescentes, basta assistir ao visceral dinamarquês A Caça (2012), filme dirigido por Thomas Vinterberg com Mads Mikkelsen como protagonista.
Em Close, eu me lembrei de algo que aconteceu comigo, na puberdade: adorava falar de filmes com meu vizinho, uma das poucas amizades que tinha nessa época. Chegaram a falar para não “andar” por aí com ele, porque – vejam só! – como diz o ditado: “Diga-me com quem tu andas...”. Mesmo na minha pouca idade, eu não sabia o porquê dessa atitude e comportamento. O medo de que as pessoas acham ou falem de você. Nem falo em demonstrações de afeto entre pessoas, independente do que elas são, mas de apenas estar apenas na sua companhia, só porque você é hétero.
(Antes de continuar, um parêntese: não sou a pessoa melhor do mundo, ainda tenho meus preconceitos, em graus menores ou maiores, mas o que procuramos é tentar sermos pessoas melhores a cada dia, não?)
Entre a “quietude” (o filme deixa o silêncio falar muito) e a bela fotografia da produção franco-belga, é impossível não se emocionar pelas consequências de amputar uma amizade assim, que seria tão duradoura quanto à vida dos protagonistas. Ir às lágrimas mesmo. Close não faz julgamentos das atitudes e ações dos personagens, só expõe e faz o público perceber o quanto pode ser nocivo o que se estabelece como “normal” para os olhares conservadores.
Mais do que uma solução simples, devemos refletir sobre o que fazemos ou como agimos em situações como essa, mesmo estando de um lado ou do outro, como algozes. Mesmo sendo cedo ou tarde demais, como uma atitude de um dos garotos, após uma corrida solitária: olhar para trás, e “fechar” as portas de preconceitos ou atitudes cruéis, que podem muito bem ser feitas por jovens e adultos. Fechar com cadeado e jogar a chave fora.
*Texto publicado originalmente na edição impressa de 20 de setembro de 2023.