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Resenha

Anatomia de uma mágica tirada da cartola

publicado: 26/12/2025 09h23, última modificação: 26/12/2025 09h23
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Exemplo do traço “limpo” e da diagramação sofisticada de Rodríguez | Imagems: Divulgação/Panini Brasil

por Audaci Junior*

Tirar o coelho da cartola deve ser o truque mais banal e “clichê” de um pretenso mágico. Truques para manter o público focado numa determinada ação, enquanto a outra — a realidade que ampara a ilusão — está “maquiada” e oculta dos olhos atentos.

Na “anatomia de uma mágica”, o mero truque fica de fora para dar lugar ao fenômeno e também ao poder. É o mote de Zatanna — Quebrando Tudo (Panini, 176 páginas), história em quadrinhos que tirou da manga, neste ano, um Prêmio Eisner como Melhor Minissérie (aqui, compilado as cinco partes num único encadernado). 

Protagonizado por uma personagem “lado B” da DC, “Zatanna — Quebrando Tudo” levou o Prêmio Eisner como Melhor Minissérie

Se for para listar um “lado B” do Universo DC (para quem não é familiarizado, o mundo povoado por Superman, Batman e Mulher-Maravilha), uma das figuras marcadas no baralho seria a Zatanna. Criada nos anos 1960 por Gardner Fox (1911–1986) e Murphy Anderson (1926–2015), ela é filha do poderoso Zatara, e tem como característica fazer seu “abracadabra” e seu “hocus pocus” recitando o feitiço ao contrário.

Porém, a trama roteirizada pela canadense Mariko Tamaki e desenhada pelo espanhol Javier Rodríguez faz parte de “outra realidade”: o selo Black Label, uma linha editorial da DC Comics para histórias “maduras”, fora da cronologia principal e com total liberdade criativa para os autores reimaginarem os personagens da editora norte-americana. Ou algo nesse sentido.

A estrutura da narrativa da obra gira em torno de um trauma de infância — o bom, velho e infalível trauma de infância —, no qual uma iniciante Zatanna quer impressionar seus amigos com o bom e velho truque de esconder o objeto em copos e embaralhá-los. Depois de fracassar perante à sua seleta plateia, ela vai pedir uma força ao pai, o que a marca para sempre.

O trauma foi tão grande, que encontramos uma adulta Zatanna fazendo truques mequetrefes em cassinos baratos de Las Vegas, nos EUA — cidade turística famosa não só pelas jogatinas, pelo Elvis e pelos seus CSIs, como também por grandes ilusionistas, a exemplo de David Copperfield, Criss Angel e da dupla Siegfried & Roy com os seus felinos albinos.

Batendo o pé, a protagonista vive na ilusão de que abandonou a magia, mas, certamente, a magia não a abandonou. Surgem criaturas demoníacas, seres associados a cultos mágicos e até um ex- -namorado inglês que usa um capote, tem uma presença cínica e é fumante inveterado. Nesse caldeirão regido pelos agentes do caos, ela terá que cavar fundo nas suas memórias fragmentadas do passado se quiser sobreviver.

Zatanna — Quebrando Tudo é um bom passatempo. Como dito no começo desta resenha, a Mariko Tamaki sabe bem mover a ação, mesmo dando um clima mais “infantojuvenil” do que “maduro” para a sua história. O que não quer dizer que seja ruim, só teremos insinuações de atos sexuais em Paris e um John Constantine (famoso personagem do universo mágico e de terror da DC) com o cigarro na orelha, mostrando todo o seu lado rebelde/despojado à la James Dean (1931–1955) em Juventude Transviada (1955).

O maior às na manga da HQ, sem dúvidas, é a arte de Javier Rodríguez. Seu traço “limpo”, diagramação sofisticada e cores psicodélicas são o repertório para o espetáculo visual ganhar aplausos. Uma “prévia” para o que ele fará com o título Absolute Caçador de Marte, com roteiros de Jeff Lemire, que sairá no começo do ano, pela Panini.

Com devidos truques, um bom número de mágica.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de dezembro de 2025.