Tirar o coelho da cartola deve ser o truque mais banal e “clichê” de um pretenso mágico. Truques para manter o público focado numa determinada ação, enquanto a outra — a realidade que ampara a ilusão — está “maquiada” e oculta dos olhos atentos.
Na “anatomia de uma mágica”, o mero truque fica de fora para dar lugar ao fenômeno e também ao poder. É o mote de Zatanna — Quebrando Tudo (Panini, 176 páginas), história em quadrinhos que tirou da manga, neste ano, um Prêmio Eisner como Melhor Minissérie (aqui, compilado as cinco partes num único encadernado).

- Protagonizado por uma personagem “lado B” da DC, “Zatanna — Quebrando Tudo” levou o Prêmio Eisner como Melhor Minissérie
Se for para listar um “lado B” do Universo DC (para quem não é familiarizado, o mundo povoado por Superman, Batman e Mulher-Maravilha), uma das figuras marcadas no baralho seria a Zatanna. Criada nos anos 1960 por Gardner Fox (1911–1986) e Murphy Anderson (1926–2015), ela é filha do poderoso Zatara, e tem como característica fazer seu “abracadabra” e seu “hocus pocus” recitando o feitiço ao contrário.
Porém, a trama roteirizada pela canadense Mariko Tamaki e desenhada pelo espanhol Javier Rodríguez faz parte de “outra realidade”: o selo Black Label, uma linha editorial da DC Comics para histórias “maduras”, fora da cronologia principal e com total liberdade criativa para os autores reimaginarem os personagens da editora norte-americana. Ou algo nesse sentido.
A estrutura da narrativa da obra gira em torno de um trauma de infância — o bom, velho e infalível trauma de infância —, no qual uma iniciante Zatanna quer impressionar seus amigos com o bom e velho truque de esconder o objeto em copos e embaralhá-los. Depois de fracassar perante à sua seleta plateia, ela vai pedir uma força ao pai, o que a marca para sempre.

O trauma foi tão grande, que encontramos uma adulta Zatanna fazendo truques mequetrefes em cassinos baratos de Las Vegas, nos EUA — cidade turística famosa não só pelas jogatinas, pelo Elvis e pelos seus CSIs, como também por grandes ilusionistas, a exemplo de David Copperfield, Criss Angel e da dupla Siegfried & Roy com os seus felinos albinos.
Batendo o pé, a protagonista vive na ilusão de que abandonou a magia, mas, certamente, a magia não a abandonou. Surgem criaturas demoníacas, seres associados a cultos mágicos e até um ex- -namorado inglês que usa um capote, tem uma presença cínica e é fumante inveterado. Nesse caldeirão regido pelos agentes do caos, ela terá que cavar fundo nas suas memórias fragmentadas do passado se quiser sobreviver.
Zatanna — Quebrando Tudo é um bom passatempo. Como dito no começo desta resenha, a Mariko Tamaki sabe bem mover a ação, mesmo dando um clima mais “infantojuvenil” do que “maduro” para a sua história. O que não quer dizer que seja ruim, só teremos insinuações de atos sexuais em Paris e um John Constantine (famoso personagem do universo mágico e de terror da DC) com o cigarro na orelha, mostrando todo o seu lado rebelde/despojado à la James Dean (1931–1955) em Juventude Transviada (1955).
O maior às na manga da HQ, sem dúvidas, é a arte de Javier Rodríguez. Seu traço “limpo”, diagramação sofisticada e cores psicodélicas são o repertório para o espetáculo visual ganhar aplausos. Uma “prévia” para o que ele fará com o título Absolute Caçador de Marte, com roteiros de Jeff Lemire, que sairá no começo do ano, pela Panini.
Com devidos truques, um bom número de mágica.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de dezembro de 2025.