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Resenha

Bom e velho “bem vence o mal” em versão cínica

publicado: 15/05/2024 09h05, última modificação: 15/05/2024 09h05

por Audaci Junior*

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Em ‘Heroes’, as bizarras criaturas tragicômicas de Inio Asano entram em um confronto eterno com a escuridão do mal | Imagens: JBC/Divulgação
Um dos grandes quadrinistas japoneses (ou mangakás) da atualidade, Inio Asano é uma surpresa. Ele pode carregar na seriedade em projetos como Decadência ou a série Boa Noite Punpun, como também pode ser simplesmente “cínico” como este Heroes (Editora JBC, 184 páginas).

Já começa pelo traço: em vez do detalhamento bastante usual do autor nos cenários, ele emprega aqui um desenho bem mais leve e estilizado. Com o preto e branco é somado os tons avermelhados, que, conforme vai marchando a história, ganha mais presença e intensidade.

Como descreve a sinopse oficial da editora, a história conta “as aventuras de um grupo de heróis pitorescos: uma garotinha, uma barata falante, um gato numa nave alienígena, um panda de biquíni… e muitos mais”, cuja missão é “derrotar o ‘Tenebroso’ e voltar para casa”, como bons e velhos heróis.

Deixando mais ainda desgastado o “bom e velho” conceito da jornada do herói, vamos pular as etapas para analisar a estrutura que Inio Asano levanta nas páginas do volume único. A princípio, ele invade o ar da floresta com o perfume do épico, mas acaba zombando dos estereótipos dos quadrinhos de aventura em cada “ciclo” que se fazem os capítulos. A repetição na trama é usada como ferramenta para o humor.

Com isso, vai ter leitor ou leitora que vai detestar, bem como haverá os que vão amar as sátiras que envolvem temas como a discriminação, a hipocrisia e o livre-arbítrio. O quadrinista não faz questão de preencher os “hiatos” narrativos, nos quais deixa a cargo dos leitores e leitoras para imaginá-los. As páginas duplas do começo de cada um dos oito capítulos também antecedem o que vai acontecer, principalmente no quesito do “desfalque” da equipe.

O time de protagonistas bizarros de Asano lida com o convívio complicado pela variedade de personalidades tragicômicas, bem como outros “monstros” além da própria “escuridão”, que parece sempre retornar, como bom e velho vilão dos estereótipos e arquétipos.

A base do cinismo da saga desses heróis é, sobretudo, a violência em si (não é um “gibi fofinho”, longe disso). Há mortes explícitas  (e implícitas), além da violência psicológica, pintada sob uma fina camada de verniz ideológico da bondade de quem luta contra o mal eterno.

Inio Asano sempre é uma (boa) surpresa, mesmo sabendo o começo, mesmo sabendo o final, pois – claro! – a ferramenta do estereótipo é o maior protagonista aqui. O moral da história de Asano, “o versátil”... herói que tombou pelo bem, mas tinha ciência de que o mal estava à espreita, sempre, em um looping eterno.

No Japão, Heroes (Yuusha-tachi, no original) foi publicado entre 2015 e 2018, no site de mangás Ura Sunday, da editora Shogakukan, ganhando posteriormente uma versão impressa, a mesma publicada pela JBC no Brasil.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de maio de 2024.