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Resenha

Fator “X”: terror com profundidade

publicado: 04/01/2023 00h00, última modificação: 23/01/2023 09h26
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Vivendo duas personagens, Mia Goth é o pilar principal de ‘X – A Marca do Terror’ - Foto: Prime Video/Divulgação

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por Audaci Junior*

Nos tempos de Wandinha – um reflexo distante de um espelho que mistura a imagem fofa, bizarra e com certo “conservadorismo” por conta de juntar o máximo possível de audiência nas diversas faixas etárias – um bom filme de terror geralmente é visto nas mãos de um diretor como Robert Eggers (A Bruxa) e Ari Aster (Hereditário), o que muitos teimam em chamar de “pós-terror” só para ser mais descolado. Em suma, terror é terror, só basta separar o joio (produções rasas) do trigo para fermentar filmes acima da média.

A primeira vez que ouvi falar de Ti West, eu não percebi sua verve e nem decorei o seu nome (apesar de ser bem fácil): foi em um dos piores curtas da franquia chamada V/H/S, vitrine na qual várias “promessas” do gênero se exibem.

Porém, seu virtuosismo veio por um filme aparentemente “simples” (não simplório) que coloca em uma técnica bem-feita as camadas que um público desatento não vai captar: X – A Marca do Terror, que estreou recentemente na plataforma de streaming do Amazon Prime Video.

Para quem acha que a obra da A24 (novamente o estúdio de cinema que é associado aos bons longas do gênero) é apenas “jovens vão fazer um filme pornô no interior dos Estados Unidos e acabam envolvidos em uma matança”, pode continuar com a mesma opinião quando acabar de assistir à produção. Mas X vai além, promovendo uma metalinguagem com o voyeurismo, além do óbvio “filme dentro do filme”.

Ti West não se apressa para apresentar os personagens, o que leva praticamente 60 minutos do longa (de um pouco mais de 100 minutos). Se fosse nas mãos de um diretor genérico, a “apresentação” seria apenas em uma pequena sequência durante a viagem da pequena equipe de filmagem para a fazenda na qual acontecerá “a ação” nos dois sentidos.

Lá se encontram um casal de idosos decrépitos (vivido por Stephen Ure e a Mia Goth, que também acumula o papel de uma das atrizes do pornô), cujas feições são reveladas aos poucos, sem pressa. Inclusive, os planos abertos (e também à luz do dia, dignos de Midsommar) são muito bem conduzidos na apreensão, tensão e expectativa. Passado no final dos anos 1970, a abertura de X se dá “emoldurado” na casa de fronte à residência principal, como se fosse imitando uma tela 4:3 (aquela proporção “quadrada” das produções antigas). A homenagem também se espelha no filtro “apagado”.

Outro trunfo é a técnica empregada em X: até o déjà-vu do clichê do personagem espiando por um buraco (olha o voyeurismo de novo) se faz sem sons altos (os famosos “pulos de susto”), mas com uma esperta edição na qual outra imagem de outra sequência serve como rebite. Uma aula de edição. O roteiro também brinca com os estereótipos e várias – mas várias – cenas e diálogos fazem as previsões das mortes que ocorrem no ato final.

Quando falei de Wandinha no começo, aqui vem o “parafusamento” nesta resenha: Jenna Ortega (que está no quinto Pânico e faz parte do clã dos Addams no seriado do momento) está no filme, inclusive (quase) se poupado, mesmo tendo uma grande cena que inclui o machismo e hipocrisia do diretor/cameraman (do pornô), que enxerga aquela peça audiovisual como “arte”, mesmo não sabendo o que faz.

Não posso terminar sem mencionar o “fator X” do filme, que é a Mia Goth. Com sua beleza “estranha”, ela é que mais se entrega ao papel… e duplamente. Sem dúvidas, somando com a prequela Pearl (filme que conta o passado da velhinha fazendeira, fazendo parte de uma trilogia), a atriz (e roteirista nesse segundo longa) é o alicerce onde se edifica toda a produção, que fala (e mostra) sobre tabus do sexo, seja na terceira idade, seja na produção expositiva do material pornô, seja quando a protagonista encara diretamente a câmera no ato sexual. Tenha a plena certeza: isso é o filme encarando o seu público, o maior voyeur de todos.

*Resenha publicada originalmente na edição impressa de 4 de janeiro de 2023.