O quadrinista japonês Takashi Murakami sabe arrancar lágrimas dos seus leitores e leitoras. Há 11 anos, a JBC lançou por aqui O Cão que Guardava as Estrelas (e, no ano seguinte, seu spin-off, O Outro Cão que Guarda as Estrelas). Na trama, um homem sem emprego, abandonado pela esposa e diagnosticado com uma grave doença parte em uma viagem ao interior do Japão, acompanhado somente de seu cachorro chamado Happy.
O grande “pulo do gato” da narrativa é o ponto de vista: todos os acontecimentos (e sofrimentos) são vistos sempre pelo olhar do cachorro. Ainda no quesito lacrimal, entre os vários prêmios que o mangá (como são denominadas os quadrinhos feitos no Japão) levou, está o Da Vinci Book of the Year 2009, na categoria Livro para Chorar.
No enredo do outro cão, o protagonista é o “irmão” do Happy, que é adotado por uma senhora solitária de 70 anos. Ao lado do seu novo companheiro canino, ela redescobre a vida.
Agora, a editora reúne todas as histórias em um único volume, com direito a uma história inédita produzida especialmente para o novo compilado. O Cão que Guardava as Estrelas – Edição Especial (JBC, 328 páginas) promove uma reflexão sobre temas como solidão, perda, alegria e a efemeridade da vida. Murakami vai apresentando outros personagens e enredos em paralelo, até eles se cruzarem em determinado momento.
Para “humanizar” o animal, o autor apostou em colocá-lo na posição de narrador, o que solidifica mais a empatia do leitor com o personagem. Apesar de “responder” nos seus pensamentos ao “papai”, Happy tem um entendimento e noção do mundo tão inocentes quanto os de uma criança.
Por falar em criança, também foi lançada mais uma obra “robusta” de Takashi Murakami: Pino (JBC, 336 páginas), outro candidato a fazer as pessoas lerem com uma caixa de lenço a tiracolo.
O nome do mangá vem de um pequeno modelo de androide, que possui a inteligência artificial (IA) mais avançada do mundo, a primeira a superar o ser humano e alcançar a singularidade. Eles são usados para muitas atividades, desde desarmar minas terrestres, passando pelo cultivo de hortas, até serem cuidadores de idosos. Porém, um dia, um desses robôs faz algo totalmente inusitado na finalização de seu ofício, levando a empresa a investigar se por acaso essa IA alcançou o patamar de ter sentimentos.
Em Pino, Murakami faz uma trama mais complexa e com mais personagens. Se O Cão que Guardava as Estrelas for para ver o sofrimento humano e canino, o autor nos joga em um laboratório que faz testes em diversos animais. A rotina de um dos autômatos é administrar drogas, coletar resultados e incinerar as carcaças dos bichos.
Interessante notar que não há, inicialmente, um “julgamento” ético ou moral para essa parte introdutória. Takashi Murakami vai esboçar uma crítica mais à frente, mesmo que ela não seja o mote principal da obra.
Chegando aos personagens centrais, temos uma idosa com demência que vive na periferia (uma comunidade conhecida como “Ninho de Cobras”) e tem como cuidador um Pino. A evolução desse personagem, que simula os laços emotivos para não agravar a doença da senhora, vai por uma lógica que não é vista pela maioria das obras que abordam esse mesmo assunto.
Mesmo com um tom mais otimista, não tem como escapar do clímax desse mangá, caso esteja totalmente imerso na sua proposta. No final das contas, após descobrir-se, o próximo passo é firmar a sua identidade, mesmo que seja pela mínima aceitação de uma pessoa que está perdendo a própria.
Para essas duas obras, ficará mais tocado e emocionado quem já teve um fiel amigo de quatro patas ou quem testemunhou as funções cognitivas de alguém próximo se “enferrujarem” na maresia do cotidiano.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 1º de outubro de 2025.