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Resenha

O peso de uma queda livre

publicado: 27/12/2023 11h56, última modificação: 12/01/2024 22h56
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Imagens: JBC/Divulgação

por Audaci Junior*

Em que momento do declínio da vida pode-se sentir o peso de uma queda livre? A ação da lei inexorável da física que não o faz ir para frente, não o faz avançar na vida, já que está constantemente rodopiando no pior momento da sua vida, sem um Norte para a sua bússola profissional, sem ao menos poder fincar os pés para um recomeço dos primeiros passos para o ciclo de uma nova fase.

Maganká é um termo nipônico para designar um autor de quadrinhos no Japão – os famosos mangás (que, sim, são histórias em quadrinhos). Um dos destaques da sua geração é o Inio Asano, dono de obras como Nijigahara Holograph, Solanin e Boa Noite Punpun. Uma de suas marcas registradas é a sua pegada realista, que aborda o universo e adentra na mente dos jovens japoneses dos dias de hoje.

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Obra aborda a vida de um quadrinista que vislumbrou o sucesso de sua série e agora está em plena queda livre

Em Decadência (Editora JBC, 256 páginas, R$ 64,90), o autor aborda os bastidores da vida de um mangaká que vislumbrou o sucesso e agora está em plena queda livre do declínio.

Apesar de a obra não implicar ter um quê autobiográfico, a “dica” que o autor oferece é o próprio protagonista, cujas feições são bem parecidas com o mesmo (inclusive o cabelo oxigenado quando mais jovem, nas sequências em flashback).

O que se vê em Decadência é algo bastante comum, independente de que área seja: depois do sucesso, qual o próximo passo? Você começa estagnado, se esforça, sobe, fica no auge, mas nem sempre pode permanecer por lá. A queda é algo novo na sua vida, principalmente quando experimentou o sucesso, o auge. É diferente da escalada. É diferente de já estar embaixo. Todo mundo deve ter ciência disso, seja na teoria ou na prática.

O que Inio Asano coloca na HQ é um personagem peculiar e egocêntrico que mais para frente terá uma definição interessante por uma personagem. Em crise no casamento (que, consequentemente, afeta diretamente com o trabalho por ser a sua editora), as incertezas o cercam e o afetam de tal maneira que ele não consegue ir para frente (pois está em queda).

Pelo que sabemos da cultura japonesa (e lendo os mangás), dá para entender algumas ações que parecem estranhas aos olhos atentos do leitor ocidental. Digo “entender”, mas não “aceitar”. O personagem principal não é nenhum santo, tem atitudes arrogantes e detesta ler os mangás e a “indústria” que o sistema gera, feita do que os leitores gostam neste momento, o que está na moda ou o que vende mais.

Entre os relacionamentos falidos e a eterna página em branco após finalizar uma série de sucesso, ele se vale de dispensar a sua equipe (no Japão, é comum o autor ter assistentes para criar cenários, fazer arte-final e outras funções técnicas), ficar espiando comentários sobre o hiato criado entre as obras e pagar garotas de programa para ter algum resquício social.

Uma das grandes sequências que definem o protagonista é em uma sessão de autógrafos, quando finalmente ele conhece uma leitora que constantemente mandava mensagens positivas nas redes sociais, sendo a jovem uma das poucas fãs do autor a expressar seu fascínio. Um verdadeiro soco no estômago, deixando bem claro que o manganká não é uma mera vítima. Inio Asano sabe disso e expõe de forma corajosa e honesta.

Em um único volume, Decadência é um grande ensaio sobre o vão que fica após o sucesso. Mesmo sabendo – na teoria ou na prática – que os ciclos da roda do destino giram. E continuam girando, mesmo que você esteja em queda.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 27 de dezembro de 2023.