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Resenha

Quando o vazio procura um norte

publicado: 28/05/2025 14h39, última modificação: 28/05/2025 14h39
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Obra de Inio Asano traz adolescentes sem perspectivas de uma cidadezinha litorânea | Imagens: Reprodução/JBC

por Audaci Junior*

A calmaria de uma cidadezinha litorânea do Japão, que não fica no “radar” populacional nem durante o verão, é o sinônimo do marasmo entre os jovens locais. Dificilmente algum adolescente encontra algo que corresponda às suas expectativas. São vidas sem rumo, sem leme e sem norte.

Em Garota à Beira-Mar (JBC, 412 páginas), o quadrinista Inio Asano escancara a sensação de vazio e desamparo desses jovens. Não é à toa que na quarta capa do mangá (nome dado aos quadrinhos japoneses) tem os “alertas de gatilho” duas vezes. Apesar de ser um exagero editorial, o autor não poupa seus personagens, incluindo sem balancear o equilíbrio do egoísmo e das consequências da completa falta de perspectiva.

Acompanhamos uma garota chamada Koume Sato. Após sofrer uma decepção amorosa com alguém mais velho (leia-se ser usada e abusada pelo mesmo), ela encontra refúgio nos braços de Kosuke Isobe, mas não da maneira que o garoto gostaria, já que está apaixonado por ela.

“Garota à Beira-Mar” apresenta um olhar para juventude japonesa que vive marginalizada

O que vemos é um casal em total desamparo — seja na escola, na rua ou em casa, com a constante ausência dos pais. Eles começam um relacionamento sem nenhum sentimento. Mesmo explorando os desejos (e também as aflições) sexuais, o vazio continua crescendo na vida de ambos, dia após dia. O que começou como um “ato vingativo” após ser humilhada, vai trazer sérias consequências para Sato.

Abrir mão do afeto vai tornar o relacionamento cada vez mais complicado e complexo, a ponto do leitor sentir uma total ojeriza de um dos protagonistas. Isso traz também uma pesada carga, que nubla a visão de quem está lendo, em não conseguir (ou tentar) compreender os propósitos do personagem.

Incluindo o grotesco de algumas situações, Inio Asano apresenta mais uma vez um olhar para uma juventude japonesa que vive à margem, solitária e sem eira nem beira. Interessante que podemos perceber o quanto o autor varia o tom de slice of life, o “gente como a gente”, desde obras mais brandas como Solanin até as bem mais pesadas como Boa Noite, Punpun. O realismo disfuncional de Asano retrata a vulnerabilidade e a fragilidade do ser humano nas encruzilhadas da vida, por bem ou por mal.

Como diz parte da sinopse oficial da nova obra: “Viver, por si só, é muito dolorido e, ao mesmo tempo, toda decisão traz suas consequências”. Inio Asano sabe disso e não tem pudores de escancarar nas suas páginas.

O mangá foi publicado no Japão entre 7 de julho de 2009 e 8 de janeiro de 2013, pela editora Ohta Publishing, e depois foi compilado em dois volumes. No Brasil, Garota à Beira-Mar ganha uma única edição.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de maio de 2025.