O terror cinematográfico sempre encontra acolhimento na violência dos vários subgêneros, o que pode incluir também as datas comemorativas. Na lúgubre época de fim de ano, a figura bonachona do Papai Noel não ficaria de fora dos “Natais sangrentos” da meca hollywoodiana.
Quem está acostumado com o gênero, é fácil associar ao bom velhinho segurando firmemente um machado para tingir as partes brancas da sua roupa com o vermelho vivo. Do mesmo jeito que há uvas-passas no arroz natalino — independentemente de quem gosta ou não da iguaria —, o clima oportuno está para ler uma história em quadrinhos que invoca o tema: em Deviant: Terror no Natal (Devir, 304 páginas), o premiado roteirista James Tynion IV não deixa o gore de lado, mas também oferece uma reflexão que vai além de datas comemorativas.
No começo dos anos 1970, em Milwaukee, a cidade mais populosa do estado norte-americano do Wisconsin, a neve chega sem piedade na época natalina. Dessa vez, com ela, vem um Papai Noel bastante atípico — de formas delgadas, com máscara e um machado a tiracolo — cometendo atrocidades inimagináveis contra jovens rapazes. Logo, ele ganha um apelido: o “Assassino Invertido”.

- “Deviant” combina crime, matança, mistério, horror psicológico e reflexões sobre as identidades “queer” e a transgressão cultural
Cinquenta anos depois, um quadrinista atormentado entrevista o criminoso, que insiste em sua inocência, mesmo depois de tantos anos atrás das grades. Agora, com o Natal se aproximando mais uma vez, o passado retorna, o que pode atestar a veracidade da inocência do preso. Ou seria um “imitador” empunhando um machado afiado?
Ao mesmo tempo em que Tynion IV promove uma “árvore natalina” de cadáveres, ele coloca na narrativa todo o preconceito de uma sociedade conservadora e moralista apontando o principal suspeito como um homossexual. O que “ecoa” para o presente, quando o quadrinista começa a interrogar as testemunhas do caso e revelando também a sua homossexualidade. Imagine a fisionomia de policiais “machões” quando o investigador é perguntado se tem uma namorada. Mais um passo para mostrar que a violência também reside no “passe livre” das autoridades locais.
Com arte funcional de Joshua Hixson, Deviant combina crime, matança, mistério, horror psicológico e reflexões sobre as identidades queer e a transgressão cultural. Autor de um terror mais pop, a série Something Is Killing the Children (também lançado pela Devir), James Tynion IV cria um bom trabalho de suspense, sem precisar ser forçado ou banal.
Mais do que colocar o vermelho tingindo a neve nos seus quadrinhos, é nos diálogos que o roteirista se sobressai nessa HQ, com personagens bastante humanizados — o que não quer dizer que não sejam falhos.
No final das contas, a obra acaba sendo um dos melhores filmes de terror do subgênero que não foram feitos. Um feliz Natal para os fãs.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de novembro de 2025.