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A lei do ex

publicado: 29/09/2023 13h34, última modificação: 29/09/2023 13h34

por Felipe Gesteira*

A chamada “lei do ex” é implacável. Sempre que um atleta é relegado e vendido para um clube adversário, na hora do confronto, quando ele aparece do outro lado do campo, vestindo outra camisa, os deuses do futebol arrumam um jeito de mobilizar o universo para que justamente aquele que antes não servia agora se transforme em algoz. O ex que não dava alegrias ao torcedor reaparece com a função de fazer sofrer. Nesse fim de semana, parafraseando o termo querido por muitos flamenguistas, a lei do ex no Brasil atingiu ‘outro patamar’ na figura do técnico Dorival Júnior.

O título nacional que faltava ao São Paulo honrou a história de Dorival Júnior. O treinador já foi injustiçado no próprio Tricolor onde hoje comemora seu bicampeonato da Copa do Brasil. Em 2017, Dorival livrou o São Paulo do rebaixamento da Série A do Brasileirão, sendo dispensado no ano seguinte sem um motivo determinante. Neste ano, venceu o Flamengo que o descartou ano passado após as conquistas de dois títulos.

Importante ressaltar o tamanho do dedo do técnico na vitória do São Paulo. Dorival comandou um time muito inferior, que vinha desacreditado, com planejamento para a temporada questionável e grandes contratações penduradas no departamento médico, como os casos do zagueiro venezuelano Ferraresi e do meia argentino Galoppo.

Apesar dos méritos do São Paulo, pesou também o terrível ambiente do Flamengo. O excelente Jorge Sampaoli não encaixou no time. Fez trabalhos memoráveis por outros clubes, assim como pela Seleção do Chile, mas relações humanas dependem de componentes que vão além de critérios unicamente técnicos. Da mesma forma que Rogério Ceni nunca conseguiu deixar sua marca como treinador do São Paulo, mesmo que tenha sido importante neste último título.

Mas com Sampaoli não foi só uma questão de ‘encaixe’. O episódio do soco desferido por seu auxiliar técnico no rosto do atacante Pedro fez com que o treinador argentino perdesse a mão de um elenco que ele já não tinha. Era o momento de a diretoria mudar a rota para tentar salvar a temporada, que hoje se limita a garantir uma vaga para a Copa Libertadores do ano que vem. Seguraram sob a desculpa de contrato e multa rescisória, e agora, depois das derrotas e do ano perdido, o que já era caro saiu como desastroso.

Na verdade se formos contar os erros cometidos pela diretoria do Flamengo nos últimos anos vai faltar espaço nesta coluna. Mas o que fizeram com Dorival foi absolutamente tosco. Talvez por isso o ex tenha voltado tão forte. Não era um caso de ter sido relegado, ou saído do clube por oferta melhor, não. Dorival foi enxotado pelo Flamengo mesmo diante de triunfos, como se não fosse bom o suficiente para o futuro.

Há quem diga que existiram motivos outros para a troca do treinador, como lobby e comissão em cima dos valores contratuais daqueles que aportaram. Não duvido, mas não há evidências. Voltemos, pois, à lei do ex.

A volta por cima de Dorival Júnior ficará marcada na história do futebol brasileiro. Será lembrado como o treinador que deu a Copa do Brasil de 2022 ao Flamengo; que, apesar disso foi menosprezado e garantiu que o Flamengo não passasse do vice-campeonato no ano seguinte, freando o bicampeonato do clube e garantindo o seu. E no São Paulo, mesmo com tantos ídolos para serem elencados como os heróis da conquista, o time de 2023 será lembrado como o São Paulo de Dorival.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 29 de setembro de 2023.