por Felipe Gesteira*
O anúncio da primeira edição do Campeonato Regional de Esportes de Bar mexeu com todo o Sertão paraibano. A proposta começou com uma brincadeira de Seu Hilário, dono do tradicional boteco à beira do Rio Espinharas, em Patos. Seria um dia para reunir peladeiros e perebas históricos que nunca conseguiram se firmar em esporte algum, nem mesmo nos selecionados amadores e torneios financiados por candidatos a vereador.
Quem é bom mesmo de bola não costuma ir bem nos esportes de bar. Há um contrassenso óbvio entre boemia e alto rendimento esportivo. Mesmo que existam exemplos de jogadores que se acabam em noitadas regadas a muito álcool, são exceções, alguns até gênios. O peladeiro de campo poeirão não aguenta tomar de testa uma grade de cerveja no sábado com aquele senhorzinho da barriga dura e obter o mesmo desempenho na pelada de domingo. Dá pra beber, mas nem tanto.
Esporte de bar é coisa séria. Uma arte, quase uma ciência! Na porrinha, por exemplo, há muito mais mistério envolvido do que no jogo de truco, apesar de ambos compartilharem a beleza do blefe. A porrinha é muito mais do que esconder palitos em uma mão. Trata-se de um jogo de manipulação e resistência, controle do adversário com o olhar, cálculos matemáticos dificílimos — pois sob efeito de cerveja por vezes quente —, presunção e sorte.
Mal a competição fora anunciada e já havia desportista de tudo quanto era cidade da região se anunciando como imbatível para a conquista do título. Seriam três modalidades: virada de copo, porrinha e arremesso de pedra no rio. O atleta com mais pontos na soma das disputas sairia campeão.
Na primeira, venceria o competidor que conseguisse beber o maior volume de cerveja em um único gole. Vindo de Pombal, Sérgio Boca de Litro era o oponente a ser batido, visto que sua fama de pior companheiro de bar para se dividir a conta atravessava divisas.
Era difícil apostar quem venceria a porrinha, já que se trata de um esporte tão difundido nos bares e com atletas de altíssimo nível, de Petrolina, em Pernambuco, a Mossoró, no Rio Grande do Norte, passando por todos os municípios do Sertão da Paraíba. Tinha competidor de porrinha vindo também de Orós, no Ceará, e de Olho d’Água das Flores, em Alagoas.
Na terceira modalidade, os atletas de Coremas prometiam lançar pedras a perder de vista.
O sonho de Belarmino era ganhar alguma coisa na vida, qualquer coisa que fosse. Sem jeito para os esportes e com pouco talento para a boemia, o jovem de Guarabira decidiu investir 30 dias em treinamento para a competição do bar. A sanha foi tanta que quinze dias antes do início ele viajou para Patos, o que seu treinador classificou como “aclimatação”.
Belarmino treinou duro. Sabia que não venceria Boca de Litro na virada de copo, mas praticou para pontuar bem. Da mesma forma na porrinha, tinha consciência da dificuldade, para isso fez até curso de interpretação com um professor ator vindo de Areia. Para a última modalidade, tinha um trunfo: ouvira numa história que quando Camões esteve no Brasil, iludiu os colegas na primeira competição de arremesso de pedra em rio registrada no país com um sanhaçu que guardara no bolso e arremessara como pedra. Lançado bem rente, o pássaro tocava na água e seguia o curso do rio até que ninguém mais o visse, dando a vitória ao mentiroso português.
Pronto para o grande dia, Belarmino só não dispunha do bendito pássaro. Foi até a praça da cidade e conseguiu um filhote de pombo, que na cabeça dele faria o mesmo efeito do sanhaçu. Escondeu dentro da calça e partiu para a beira do rio.
Após as duas primeiras disputas ele continuava no páreo. Com um terceiro lugar na virada de copo e quinto na porrinha, Belarmino se mantinha entre os dez primeiros. Bastava vencer com folga a terceira disputa e torcer por classificações ruins dos adversários. Tinha tudo pra dar certo.
Ele só não lembrava de como estaria o animal. Pegou do jeito que deu e lançou rente ao rio, como fez Camões. A pomba nem voou. De relance, antes de lançar, percebeu o pescoço caído, quebrado. Afundou no primeiro encontro com a água a pomba morta da trapaça.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 08 de dezembro de 2021