por Felipe Gesteira*
O sonho de Arturo era ter um filho para ensiná-lo a jogar futebol. Ele teve carreiras curtas como profissional de campo e salão, mas na areia chegou a ser reverenciado país afora. Ano após ano era destaque nos estaduais. Onde quer que jogasse, seu time era campeão. Venceu regionais, encantou no torneio nacional e chegou até a integrar a Seleção Brasileira de Beach Soccer. Hoje, aposentado e pai de três filhas, é conhecido como um dos melhores jogadores de futevôlei de toda a orla paraibana.
O fato de só ter meninas em casa é motivo de orgulho para Arturo. A zoeira fica por conta de seus amigos boleiros. Ele diz que é a energia da casa, pois até os filhotes dos periquitos nascem fêmeas, e, rindo, rebate os comparsas dizendo que cada um “faz o que mais gosta”.
Arturo nunca foi de defender equidade de gênero, se brincar, sabe nem o que é isso. Assim como todos de sua geração, foi criado nos moldes de uma educação majoritariamente machista. Apesar disso, é super paizão. Para ele não importa se seus filhos são meninos ou meninas, pois a vontade de ensinar a jogar bola é a mesma. Se o rei e a rainha do futebol são ambos brasileiros, nada impede que suas meninas dominem o campo com maestria.
Sem forçar a barra, tentou ensinar futebol às duas primeiras. Não rolou. A chama de uma filha jogadora que parecia estar no fim reacendeu como brasa de São João com a mais jovem. Os olhos de Aninha brilhavam quando ela via, ao lado do pai, o Flamengo entrar em campo. A mãe, que preferia uma filha princesa a uma moleca em campo poeirão, desconversava, dizendo que a família toda era flamenguista mesmo, por isso tanta empolgação. Mas Aninha não apenas torcia pelo time em campo. Era quase partícipe, uma coadjuvante que mandava vibração para os atletas com seus próprios pés, reproduzindo e antecipando diante da TV as jogadas, passes e chutes a gol mais que certeiros.
Para tirar de tempo o “mau” gosto da menina, a mãe matriculou a guria na aula de vôlei. Ela era tão boa de bola que jogava bem de tudo, mas paixão mesmo era pelo futebol. Sua mãe seguia cerceando, com medo de que a filha não seguisse o caminho de uma ‘princesa’. Proibiu até que o tio “comunista” comprasse de presente uma camisa da Seleção personalizada com o nome de Marta. Como pai, Arturo fazia que não ouvia nada disso, comprava as camisas da menina e pronto. E se não reclamava da invenção da mãe nas aulas de vôlei, levava Aninha para o futevôlei nos fins de semana. A menina nem dez anos tinha, mas já dava show.
Na escola, todo mundo sabia quem jogava bola de verdade. E foi justamente na escola que Aninha despontou para a fama no futebol.
A equipe masculina de futebol de salão enfrentava o colégio rival em um jogo amistoso, preparatório para os Jogos Escolares. De amistoso não tinha nada, pois contra rival todo jogo é de vida ou morte. Também não valia nada, mas valia muito para a confiança dos pequenos atletas e para abalar o moral dos adversários.
O principal jogador do time se machucou minutos antes da partida, ainda no aquecimento. Muito esperto, o técnico mandou chamar Aninha. Conversou com o treinador adversário e argumentou que seria só para completar o elenco, que ela ficaria no banco e que, mesmo que entrasse, “por que ter medo de uma menina?”.
Na metade da disputa, jogo duro, empatado, o professor coloca Aninha. Era visível o sorriso no rosto dos colegas dela e dos alunos da escola, que a conheciam. Um sorriso como o do torcedor brasileiro que acompanhava Ayrton Senna numa corrida difícil e percebia o começo de chuva na pista. Sorriso confiante, que antecede a vitória.
Aninha, por outro lado, nem sorria. Estava determinada a destruir em campo e assim o fez. Deu caneta, assistência, passe em profundidade. Fez gol de letra e até de bicicleta. Em casa, minutos após a vitória, os pais de Aninha recebiam via WhatsApp o vídeo da menina com os melhores lances da partida e, ao final, dela sendo carregada e jogada para cima pelos meninos. Naquela hora de almoço, mãe e pai se desmancharam em sorrisos.