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Água de coco

publicado: 24/03/2023 00h00, última modificação: 24/03/2023 11h27

tags: Felipe Gesteira

Sousa e Botafogo se preparam para fazer o jogo de volta da semifinal do Campeonato Paraibano. Na ida, em João Pessoa, o time da capital conseguiu mudar a data da partida. Na segunda etapa da decisão, a equipe sertaneja tenta antecipar o início em uma hora, o que seria às 16h, para as 15h. Seu Agostinho, que nem gosta tanto assim de futebol, torce com todas as forças para que o Sousa tenha êxito nesta briga.

O velho comerciante acompanha de perto qual será o desfecho da querela entre os clubes. Mesmo pouco se importando com quem será o vencedor, ele tem interesse financeiro no resultado. Agostinho vende água de coco. E não é qualquer água de coco, é simplesmente a melhor água de coco do mundo. Também, pudera. Sob o sol de Sousa, qualquer água de coco torna-se no mínimo maravilhosa, mas ele rebate com teses científicas não checadas enquanto o cliente dá um gole e comprova que realmente se trata da mais saborosa, doce e refrescante de todo o planeta.

– Quanto custa o coco? – pergunta o cliente, com jeito e sotaque de turista.

– Depende – responde Seu Agostinho, já emendando o desafio: – Sem ter trabalho nenhum, somente esperando que eu abra o coco e lhe entregue, custa cinco, mas se o senhor achar uma nuvem no céu, aí a água sai de graça!

Experiente, ele obviamente passa a vista no alto para conferir as condições do tempo, mas entre os meses de outubro e janeiro, quase todo dia a provocação é válida. E o que parece uma brincadeira que ninguém aderiria, de imediato resulta no início da experiência de degustação daquela que será a melhor das águas de coco. Depois de avistar um céu de brigadeiro, no azul que só o Sertão da Paraíba oferece, e perceber o calor que faz ali, é como se o primeiro gole fosse mágico.

Seu filho, que considera o pai um liberal sem coração, observa a cena como quem assiste a uma enganação. – Isso daí, pai, é como vender coca-cola gelada na Pedra do Tendó a quem sai de Patos de bicicleta pra chegar no Pico do Jabre e dizer que é a melhor do mundo. Claro que vai ser a melhor do mundo! Olha a condição de quem toma!

– Se num vai ajudar, não atrapalhe as vendas – responde o velho, para o filho que no fim das contas acha graça.

Sobre o jogo, os dois divergem. O comerciante quer sol quente na cabeça do povo, pois tanto faz se os jogadores passarão calor. Ele calcula que sob o sol terá uma hora a mais de venda de água de coco e, ainda, após o calor de quem sofreu desde as 15h, talvez um ou outro cliente reincidente. E mesmo sem gostar quase nada de futebol, quer que o Sousa ganhe só para ter uma partida a mais no seu comércio, independente de quem será o vencedor na grande final.

– Mas o senhor não se preocupa se vai ter jogador passando mal, desidratado, que algum possa ter a saúde realmente prejudicada, baixar hospital e tudo?

– Não.

– O senhor quer ver o mar pegar fogo e comer peixe frito, né?

– Por mim o mar pode pegar fogo, mas peixe, quero não. Quero é vender água de coco.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 24 de março de 2023.