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Amor de São João

publicado: 01/07/2022 00h00, última modificação: 15/07/2022 09h33

por Felipe Gesteira*

A expectativa para o dia da volta aos gramados consumia Carlos Alberto de cima a baixo, o dia inteiro, sem lhe deixar fazer nada que prestasse. O homem não comia, não dormia, sequer conseguia descansar nem mesmo balançando na rede que sua avó Benedita havia trazido de presente para ele lá de São Bento, no Alto Sertão da Paraíba. Dizia ela que a rede era boa para balançar os músculos e acalentar o juízo. Foi no primeiro mês distante da bola que ele ganhara o presente.

Carlos Alberto passou um ano sem poder atuar. Após cumprir toda a suspensão por indisciplina, determinada pela Justiça Desportiva, o atleta estava pronto para mostrar que não havia sido aposentado, como dizia a imprensa esportiva da Grande São Paulo. E se nenhum dos quatro grandes clubes acreditava mais em sua redenção, seria no Guarani de Campinas, time tradicional, onde ele reconstruiria sua história.

A pena foi dura, mas justa, tamanha a violência na entrada do meia que quase arruinou a carreira do atacante adversário. No primeiro mês é verdade que Carlos Alberto caiu em desgraça. Chorou muito, afundou-se no sofá da sala e por pouco não saiu mais de lá. Diziam que ele estava acabado, fosse pela mentalidade explosiva, ou pela falta de forma física que ali se instalava. 

No terceiro mês, ele reagiu. Havia sido abandonado por treinador, olheiro, preparador físico. Desacreditaram na sua volta por cima. Ele se entregou por conta própria, entrou com tudo na rotina de dieta e treinos. De jogador, logo virou marombeiro. No dia da volta, estava em forma, porém muito mais forte. Aproveitou para exibir o abdômen trincado. Na reestreia com gol, tirou a camisa sabendo que pagaria com um cartão amarelo, mas teria seu novo porte estampado em todos os jornais. 

Carlos Alberto voltava a ser aposta e receber sondagens de grandes clubes, mas em menos de 15 dias o atleta sofreu uma grave lesão em campo. Uma pontada na lateral do joelho, parecia que lhe enfiavam uma adaga. Excruciante! Foi dor e choro. Ele sabia que a carreira teria que parar de novo. O médico do clube disse que o problema estava nos músculos estabilizadores. Ela gastara tempo demais na academia cuidando da estética, treinando grandes grupos musculares, e a falta de um preparo específico para o futebol fez com que ganhasse massa magra, tamanho, peso, porém seu corpo estava descompensado para a atividade profissional em campo, o que ocasionou uma sobrecarga nos pequenos grupos musculares, ligamentos e tendões.

Viria pela frente uma jornada de tratamentos e treinamentos específicos. O atleta, de tão desolado, não quis saber. Resolveu tirar um mês de férias e foi visitar sua avó. Calhou de ser em junho, justo no mês do São João. O fisioterapeuta do clube passou uma série de exercícios, mas ele não queria saber de nada, só chorar e se enfurnar de novo.

Já na Paraíba, foi na beira da fogueira que o banzo do jogador se abalou. Carlos Alberto escolhera se aquietar no sítio onde morava sua avó porque as lembranças que tinha de lá só remetiam a uma vida de quietude. Ele nunca havia pisado naquele chão batido de chuvinha em período de festa junina. 

Foi um mês inteiro de festa e quentura. Choro? Só o da sanfona do trio que toda noite se aprochegava para fazer a alegria daquele turista, encantado com ritmos, cores e sabores tão distintos, desde as comidas de milho ao suor da morena Isabel, que conhecera lá e dela não planejava separar-se nunca mais. 

Carlos Alberto não treinou como recomendou seu preparador físico. Não correu um quilômetro sequer, não levantou uma saca de cimento. Comeu fartamente da panela da sua avó, e para não dizer que não suou, dançou forró todo santo dia. O remexido dos quadris, os passos para lá e para cá, tanto de lado como de frente para trás, endureciam os joelhos e tornozelos do jogador de uma forma que ele nunca havia experimentado. 

Ao voltar para Campinas, Carlos Alberto estava mais magro, mais leve e mais forte. Casou-se com Isabel, encurtou em seis meses o tempo de sua recuperação, estourou na carreira e em dois anos estava de volta à Série A do Brasileirão. A quem dizia que ele fora salvo pelo amor, ele respondia: — Amor, forró e São João!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 1 de julho de 2022.