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Apostado

publicado: 15/10/2021 08h00, última modificação: 18/10/2021 10h40

por Felipe Gesteira*

— Eu aposto meu monossílabo como essa contratação não vinga! — disse o incrédulo torcedor corintiano a respeito da iminente vinda de Paulo Cézar Caju.

Um ano após a conquista do Tri Mundial pela Seleção Brasileira no México, em 1970, o ponta-esquerda chegaria para ajudar a tirar o Timão da fila por um título. Faltava dinheiro, é fato, mas houve grande mobilização do clube e da torcida para garantir o passe do campeão. No tempo em que não existia a vaquinha virtual, foram distribuídos barris coletores pela capital paulista para arrecadar todo o dinheiro necessário. 

— Pode espalhar barril daqui até Araçatuba. Num tô dizendo que não vinga? — fincava o pé. E de aposta feita, Seu Jorge, conservador nos costumes que era, punha a ‘honra’ para jogo.

Dito e feito. Paulo Cézar Caju continuou no Botafogo. É verdade que chegou a atuar pelo Corinthians, mas só dez anos depois, já em fim de carreira. E aí a aposta de Seu Jorge já não tinha mais validade. 

Engana-se quem acha que esta foi a única zicada do torcedor agourento contra seu time do coração. Ele dizia não se tratar de colocar mau gosto nas contratações, até rezava para que dessem certo, porém, ouvia um cochichado do além no pé do ouvido, e depois desse zumbido, podia anotar. Não tinha fonte certa que furasse a previsão de Seu Jorge. 

Da mesma forma aconteceu com as mais do que certas contratações dos argentinos. Quando Maradona foi anunciado pela imprensa como “negócio fechado” com a diretoria corintiana, em 1994, Seu Jorge apostou que usaria a reportagem como sunga e desfilaria pela avenida Paulista com a foto do craque posicionada na parte de trás do adereço. 

Em 2010, já morando em João Pessoa e em busca de fazer novos amigos, Seu Jorge espalhou para quem quisesse ouvir na capital paraibana a sua equivocada fama de lazarento, que na verdade não passava de dicas advindas do além. Os amigos o provocavam para que ele pusesse o tal ‘poder’ à prova, mas faltava o sussurro, até que foi anunciada a vinda de Riquelme para a disputa da Libertadores. — Vem, não! — disse, reeditando a aposta, desta vez sendo a avenida Epitácio Pessoa o palco da discórdia. Bastou essa frase para que a notícia da volta dos poderes de Seu Jorge circulasse pelas torcidas organizadas da Fiel no país inteiro, brochando uma nação que sonhava em ver o fabuloso camisa 10 armando jogadas para Ronaldo Fenômeno. 

Após a água no segundo chope argentino, Seu Jorge passou sete anos em silêncio. Até que, já em tempos de redes sociais digitais amplamente democratizadas, o experiente torcedor recebe no seu telefone um link com a notícia da vinda do marfinense Didier Drogba para o Corinthians. Seu Jorge se limitou a responder no próprio aplicativo.

— Aposto meu cabelo pintado de verde como não vem!

A convicção de Seu Jorge com a cor proibida fez sua mensagem virar print de celular e derrubar a notícia nas redações dos mais importantes veículos de comunicação do país. Havia fontes confirmando, mas quem seria louco de contrariar um profeta tão testado?

Seu Jorge ouviu novamente o zumbido em 2021. Desta vez, distorcido, como um sinal que chega fraco pela antena da TV analógica. A mensagem não pôde ser traduzida, mas houve o sussurro. Ele confiou apenas na sensação, embora o conteúdo não estivesse na íntegra. Seria um último aviso? Um alerta? Uma despedida?

— Duvido! Do Arsenal? Vem não. Se Willian vier, vou tatuar W10 na perna junto com a data da contratação.

Seu Jorge agora está feliz, bobo, eufórico e tatuado. Com a morte do mito nasceu um novo torcedor. 

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 15 de outubro de 2021.