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Artilheiro do amor

publicado: 15/09/2023 09h41, última modificação: 15/09/2023 09h41

por Felipe Gesteira*

O namoro de Guido com a torcida estava em plenitude. Ídolo do clube, o argentino havia decidido voltar ao futebol brasileiro após passagens apagadas por times europeus. Alguns críticos questionavam se de fato ele seria o mesmo de quando despontou, há mais de dez anos, pois de tanto ocupar o banco de reservas, poderia ter perdido o ritmo de jogo. Mas, que nada! Contra olhares atravessados, seus defensores mais aguerridos diziam que jogar futebol é como beijar na boca, não se esquece. Além do mais, na volta para casa ninguém se perde. 

Os primeiros meses após o retorno davam o tom de lua de mel na relação do trisal jogador, clube e torcida. Mas foi na semifinal que o artilheiro apresentou sinais de que não estava tão feliz como antes. Sua equipe venceu com um gol e uma assistência dele e garantiu a classificação para a grande decisão. 

– Guido não está feliz –  disse nas redes sociais digitais um jornalista que acompanha o dia a dia do clube.

Quem não assistiu ao jogo rebateu o profissional de imprensa e logo a declaração se desdobrou em polêmica. Olhando os números da partida não fazia sentido. Mas, quem conhece o rapaz de perto pôde perceber um certo olhar desiludido. E nenhum torcedor que foi ao estádio teve a coragem de desmentir o jornalista. A torcida organizada, que numa situação dessas se mobilizaria em peso, ficou caladinha. O time massacrava o adversário, e ele, na volta do segundo tempo, perdera gols de forma absolutamente inusitada, coisa que não costumava acontecer. Era como se estivesse com a cabeça em outro lugar. 

E estava. Se o romance com a torcida ia de vento em popa, era no seu namoro pessoal que a coisa não andava bem. Guido era a prova de que sem amor não se vive. Ele mantinha todos os seus compromissos de trabalho, treinava como antes, se cuidava como podia, tentava dormir cedo, mas comia “empurrado”, como dizia sua mãe. A namorada voltou para a Argentina, o deixou de vez, e sua vida logo ficou sem cor. 

A cúpula da torcida organizada decidiu intervir. Uma reunião na casa de Barroso, o líder do grupo, iria definir quais o passos a serem tomados. Eles não entendiam como um atleta jovem, que vinha tão bem, se destacando, podia ficar acabrunhado por conta do fim de um relacionamento. Aquela não era a primeira desilusão amorosa da sua vida, e provavelmente não seria a última. Decidiram ‘arrumar’ uma namorada nova para o jogador. Dona Lourdinha, avó de Barroso, nada tinha a ver com a história, apenas passava da sala para a cozinha, ouviu a decisão tomada em conjunto e não conseguiu se conter.

–  Uma barbaridade dessas só podia vir de um bando de marmanjos que com certeza nunca amou de verdade na vida. Parem de conversar besteira. Se quiserem mesmo vê-lo feliz e se a moça é o motivo da felicidade dele, vão lá ver se tem jeito. Essa história de que um amor se cura com outro nem pra boi dormir presta!

Após o carão generalizado, Dona Lourdinha sequer ficou no ambiente para ouvir o que os mais jovens tinham a dizer, debandou para a cozinha a fim de terminar a janta. Os “marmanjos” ficaram duplamente estarrecidos: pela intromissão da avó de Barroso, que nunca havia se pronunciado para coisa alguma, parecia que nem acontecia uma reunião ali, sempre na casa dela, nos últimos anos; e pelas verdades ditas. Foram cinco minutos de silêncio que mais pareceram uma eternidade. Até que todos se entreolharam e se entenderam. 

A missão era descobrir se ainda havia o que resgatar naquela história de amor e fazer o artilheiro novamente feliz. Na mesma hora abriram o site da empresa aérea e compraram passagens para a Argentina. 

Com a viagem planejada de última hora, provavelmente a comitiva perderia a partida de ida da final do campeonato, mas como o time decidiria em casa, resolveram que valia o risco, pois bastava que o resultado do primeiro jogo não fosse um desastre que, caso conseguissem êxito, Guido estando feliz com seu amor decidiria a parada no jogo da volta. 

(continua...)

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 15 de setembro de 2023.