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Artilheiro do amor (parte 2)

publicado: 22/09/2023 12h20, última modificação: 22/09/2023 12h20

por Felipe Gesteira*

A vida para o jovem Guido não tinha mais sentido. Ele não via alegria em mais nada. A emoção de passar pelo túnel que dá acesso ao gramado e se deparar com um estádio lotado à sua espera, ouvir seu nome cantado pela torcida, ser decisivo nos momentos mais difíceis e perceber que os resultados consolidavam pouco a pouco sua marca no rol de ídolos, tudo o que antes era sonho e agora se realizava, sem amor, perdera a cor.

A missão de encontrar a mulher amada do artilheiro e interceder por mais uma chance, ou ao menos uma sinalização que desse nova vida ao jogador, resultando na volta do seu entusiasmo em campo, se mostrava absolutamente complexa. Acompanhado de mais dois amigos, Barroso embarca para a Argentina com apenas um endereço em mãos, entregue por um informante do clube que era mais próximo ao jogador. O dado apontava para onde supostamente morava a mãe de Sofia, a moça que dilatava as pupilas de Guido.

Como se não bastasse o deslocamento para outro país, Sofia morava numa casa de campo, a pouco mais de 200 km de distância de Buenos Aires, na zona rural do município de Las Flores. Pelas fotos encontradas no Google parecia ser um lugar bem charmoso, bucólico, mas que para os torcedores se traduzia em desafio, pois teriam que alugar um carro logo no desembarque e partir até lá confiando nos dispositivos tecnológicos. Como um homem prevenido vale por dois, Barroso tratou de levar um mapa impresso, como faziam seus pais, garantindo assim a orientação para o caso de faltar sinal de internet.

A previsão era de que chegariam à casa de Sofia muito perto do início da partida de ida da final da Copa. Barroso e seus amigos sabiam do risco de perder o jogo, mas consideravam a ‘missão’ deresgate do amor mais importante. Tudo corria bem na viagem, e até a perda de sinal de celular se encaixava na previsão do grupo, que prontamente puxou o mapa de dentro da mochila e seguiu pela estrada como se nada tivesse acontecido. Perto do final do trajeto, uma informação num mercadinho daqui, outra pergunta na farmácia acolá, e os torcedores aventureiros encontram o endereço buscado. Uma casa afastada da cidade, com acesso somente por estrada de barro, um jardim decorado como se pensado para um roteiro de conto de fadas, com cerca baixa, portãozinho de madeira, um caminho de chão de pedras cercado por roseiras que levava até a porta da casa, quintal largo e sombra farta, e o detalhe para a ausência de garagem. O carro da família ficava do lado de fora, onde os torcedores também estacionaram, desceram e tocaram o sino para chamar alguém, na esperança que fosse o endereço certo.

Parecia que ali Barroso adentravam um mundo fora do seu. Aficionado por tecnologia desde quando teve seu primeiro smartphone, ele vivia de consumir notícias sobre seu time de futebol e interagir com demais torcedores de todo o país. Naquela casa onde acabavam de chegar, o sinal de tecnologia além da eletrificação era uma antena parabólica. Nem o chip de celular comprado na cidade funcionava. Uma senhora os recebe e confirma ser a mãe de Sofia. Faltando 10 minutos para o início do jogo, a esperança de que conseguissem ao menos uma mensagem de texto dela para Guido se esvaía.

Ansiosos, almejam uma TV transmitindo o jogo. Querer demais? Sim, mas sonhar não custa. A mãe da moça explica que ela está dormindo, diz que eles podem voltar outro dia ou esperar ali. Já que estão lá e perderam mesmo a partida, decidem aguardar. Cerca de duas horas depois Sofia aparece, ouve o que eles têm a dizer e os despacha dali, rispidamente, sem qualquer espaço para contra-argumentação.

Barroso e seus amigos vão embora desolados, enquanto Sofia entra em casa deixando escapar uma gargalhada que esperava o carro dos viajantes ir embora para ser liberada em sua plenitude. Ela e Guido haviam resolvido mais cedo que tentariam novamente. Trocaram juras de amor por telefone e o jogador se encheu de esperança. Talvez isso explicasse aquele salto para o gol de cabeça de olhos e sorriso abertos, como quem vislumbra o sucesso na vida pessoal e profissional acontecer em conjunto. A mãe de Sofia ria da risada da filha, porém sem entender por qual motivo ela não havia contado a verdade e ainda o porquê de ter assistido ao jogo trancada no quarto e mandado dizer que estava dormindo.

Sofia, ainda rindo, responde apenas: – Porque não sou obrigada.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 22 de setembro de 2023.