A saga investigativa do repórter Susumo Takahashi chega ao Brasil com fortes indícios de que finalmente desvendaria no país por onde passou a lenda do futebol japonês, Kazuyoshi Miura, mais conhecido como Rei Kazu, a tão falada fonte da juventude do atleta de 55 anos que ainda se mantém em atividade profissional. O jornalista acredita que o "santo graal" do vovô boleiro envolve doping, ou algo ainda mais cabeludo, como uma cirurgia não divulgada, terapia hormonal, ou mesmo o uso de drogas de um modo geral.
O que não entra na cabeça do jornalista é que todo aquele desempenho de Miura seja natural. Logo ele, Takahashi, que fica morto de cansado ao pedalar numa bicicleta ergométrica enquanto assiste a um filme da National Geographic com imagens do fundo do mar. Pairando na mesma idade do interminável jogador japonês, Takahashi, que nunca se deu o direito de suar a camisa, coloca o resultado do conterrâneo como sobre-humano. Antes de embarcar para o Brasil, os colegas de redação do jornalista tentaram dissuadi-lo da empreitada, diziam que aquilo era inveja, perseguição, que havia outros com resultados semelhantes.. teve até quem dissesse que a investigação se tratava de uma sina motivada por puro despeito.
De fato, ambos jogaram futebol juntos na escola, e como Kazu sempre fora melhor com a bola, Takahashi se sentia escanteado, tanto a ponto de desistir do esporte, achando que aquilo dali não era pra ele. Do outro lado, a carreira do rei japonês decolou e nunca mais deu ré, com passagem marcante por clubes brasileiros, justamente o ponto onde o jornalista desconfia ter algo estranho.
Ao passar por Santos, cidade onde o atleta nipônico jogou quando vestiu a camisa do mesmo clube do verdadeiro rei, Pelé, Takahashi descobriu que o jogador fazia frequentes viagens para o Nordeste, porém não havia qualquer motivo profissional para tanto, pois ele jamais atuou por um clube nordestino, tampouco tinha família na região. Ou tinha? Esta seria uma razão plausível. Mas o repórter desconfiava era de doping, e seu faro apontava para a Paraíba.
Seguindo as pistas, Takahashi conseguiu encontrar fontes que conviviam com o Rei Kazu. Segundo informações apuradas a fundo, o jogador japonês buscava conhecer o que faziam os nordestinos que conseguiam passar dos 45 anos de idade, até 50, como atletas, em alto nível, apesar das péssimas condições estruturais. Kazu acreditava que fazendo o que os paraibanos faziam e aliando esse "segredo" a uma infraestrutura de ponta, poderia alcançar resultados nunca antes vistos.
Foi numa pelada que o japonês começou sua peregrinação. No intervalo de uma partida, viu os jogadores na beira do gramado dividindo uma garrafa. Mas não se tratava de erva, isotônico, nada trivial. Chamavam "garrafada", e dentro dela havia de tudo: cachaça, ervas e animais peçonhentos. A aranha caranguejeira foi o que mais chamou atenção. Ali estava a fonte da juventude, pensou Kazu. Ele bebeu, e depois desse dia, jogou melhor. Não sabia como fazer, quais ingredientes comprar, como preparar, por isso tratou de viajar à Paraíba a cada 15 dias para renovar aquela ingestão quase medicamentosa.
O processo transformou-se num ritual. Ano após ano, mesmo quando não atuava mais no Brasil, Kazu ia beber da famosa garrafada. Aos 50, quando o corpo começava a sentir os efeitos da idade, ele desconfiava que a bebida já não lhe garantia os mesmos benefícios de outrora. Foi quando sentou na beira do gramado, desolado, e confessou a um jogador paraibano, que também já havia passado dos 50, sobre a ineficiência da garrafada nos últimos meses.
— E você bebe pura? — perguntou o paraibano.
— Sim — respondeu Takahashi.
— Pois tome aqui — e entregou um biscoito preto, redondo, fofinho e doce, que parecia pão de mel, mas feito de rapadura.
— E o que é isso? — perguntou Kazu.
— Sorda, meu amigo. Esse é o segredo! A garrafada na verdade a gente toma só pra alegrar a garganta.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 3 de fevereiro de 2023.