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Bebida nos estádios

publicado: 07/07/2023 12h02, última modificação: 07/07/2023 12h02

por Felipe Gesteira*

Treze x Campinense é de longe o maior clássico do futebol paraibano. E a cada ranking sério feito para elencar quais são os mais tradicionais embates entre clubes rivais no Brasil, certamente Galo x Raposa aparece entre os dez primeiros. Já teve revista de circulação nacional que colocou o ‘dérbi’ de Campina Grande como o mais importante do país, e para os sulistas que discordarem, foi publicado, é documento. Há quem diga que está entre os dez mais tradicionais do mundo.

Seu Antônio não duvida nem um pouco da relevância do Clássico dos Maiorais para o futebol internacional. Afinal, o que é uma partida entre Juventus e Torino diante de um Treze x Campinense? Tanto é importante que ele se organiza para assistir ao jogo como se fosse um atleta. Passa a semana que antecede a partida só comendo alimentos mais leves. Reforça o cardápio com fibras, aumenta o consumo diário de água, procura dormir logo quando cai a noite e acordar antes de raiar o dia. Passa a caminhar todos os dias até ficar cansado, chega em casa, descansa um tempo no chão de cimento queimado da varanda enquanto o corpo esfria e só depois vai tomar seu banho de quartinha, com a água dormida, fria feito abraço de político logo depois que vence a eleição.

Hoje é dia de clássico no estádio Governador Ernani Sátyro, O Amigão. O palco sagrado do futebol na cidade chamada carinhosamente de Rainha da Borborema carrega a curiosidade de ser praticamente um réplica do estádio da capital, “mas lá não se faz rivalidade como cá”, argumenta Seu Antônio diante dos amigos de outros estados que comentam a peculiaridade local. Ele, que é trezeano, nega o gentílico da cidade e quando lhe perguntam de onde é, responde “campina-grandense”.

O jovem avô de dois netos mal completou os cabelos brancos na cabeça. Acorda cedo como fez a semana inteira, sente-se um menino. Cumpre sua rotina de exercícios, descansa, toma banho, para só por volta das 9h fazer sua primeira refeição. Um café da manhã mais do que reforçado: cuscuz com bode e um inhamezinho para forrar, de sobremesa uma fatia de bolo baêta grande o suficiente para se sustentar no prato na posição vertical. Em seguida ele faz mais uma pausa na varanda e volta para iniciar seu ritual próprio. Abre a garrafa de São Paulo e começa o que chama de “trabalhos”.

– Era bom que fosse proibido beber no jogo! – diz Vera, praguejando contra o hábito do marido.

– Mas é!

– E se tu passa o dia do jogo bebendo, antes e depois, de que adianta ser proibido lá dentro?

– Isso daí você pergunta a quem inventou a proibição de venda de bebida no estádio, não a mim. – responde Antônio, e vira mais uma dose.

Até o início da partida ele terá bebido metade da garrafa. Ao final, se o Treze vencer, ele termina o litro para comemorar a vitória diante do rival; se perder, bebe até o último gole da garrafa para lamentar a derrota. Mas lá, dentro do Amigão, é só água mineral e muita atenção para não perder nenhum detalhe da partida.

– Antônio, tu viu que liberaram a venda de bebida dentro dos estádios? Agora é que vai desandar, em briga e tudo o mais!

– E o que tem a ver álcool dentro do estádio com briga? Eu mesmo sou exemplo e você cansou de reclamar. Quem quer beber, bebe fora, e se quiser brigar dentro, briga.

– Mas a bebida incentiva!

– A quê?

– Aos marginais brigarem. Quem briga em estádio não é torcedor, é bandido.

– Aí já é outra história. Bandido também torce, bandido reza, bandido briga.. bandido é gente feito a gente, com a diferença que deve responder pelos crimes que comete. Com ou sem bebida, é responsabilidade do Estado manter a ordem e garantir a segurança de quem, como eu, só bebe água – e nesse momento Antônio não consegue conter o riso.

– Mas me diga – pergunta Vera já sem paciência – você vai se acabar na cachaça agora, dentro e fora do jogo?

– Eu quero lá saber de bebida. Quero saber é do Treze!

*Coluna originalmente publicada na edição impressa de 7 de julho de 2023.