por Felipe Gesteira*
É sofrida a vida do atleta que se deixa seduzir pelo gosto doce da boemia. As noitadas, a bebedeira em excesso, o sono irregular, tudo isso contribui para afastá-lo do seu melhor desempenho. Arnaldo fez uma opção pela vida de boêmio, abriu um bar à beira-mar e resolveu investir seu tempo em esportes clássicos, como levantamento de copo e arremesso de bituca.
No bar de Arnaldo é proibido ficar sozinho, a não ser que o cliente queira muito e dispense sua presença. Sim, porque Arnaldo senta junto, puxa conversa, pede uma cerveja, paga tira-gosto para o cliente e ali mesmo faz um novo amigo. Enquanto a conversa se alonga e as cervejas vão secando, ele aluga o ombro mais próximo, até chora.
Dizem que beber na mesa do dono do bar e emprestar-lhe o ombro é o ápice da boemia. No caso de Arnaldo não era dor de amor, infortúnio maior dos boêmios. Era a distância criada entre ele e sua prática esportiva que o fazia sofrer. Uma vala enorme, dessas de causar paralisia a quem tenta saltar para atravessá-la. E logo Arnaldo, convivendo numa orla paradisíaca, com gente praticando esportes o tempo todo, fora a quadra de beach tennis, o esporte sensação que reúne desde o atleta bem condicionado ao deputado muito acima do peso. No meio disso Arnaldo segue lá, mergulhado no copo da sua companheira e geladíssima loura. Não que cerveja engorde, há até quem diga a ele que emagrece, mas o caso é o bendito acompanhamento, pois justo o seu bar faz o melhor pastel e a segunda melhor tripa assada de toda a região.
E de tripa em tripa, o atleta encheu o papo.
— Não posso nem chegar mais perto — diz, alisando suavemente sua proeminente barriga enquanto olha para o mar, com ar de puro saudosismo estampado no rosto.
A lamúria se manteve até o dia em que ele bateu na mesa e disse que não beberia mais até que conseguisse retomar a prática esportiva. Foi bonito ver a resignação. Passavam bandejas e mais bandejas de chope artesanal, sob aquele espetáculo de espuma capaz de garantir a maior cremosidade e ainda hidratar os beiços. Arnaldo chorava por dentro, mas da boca pra fora dizia que nem queria saber, e que estava se esforçando muito na dieta para reduzir seu peso e voltar a treinar.
A reeducação alimentar era visível, mas ninguém via Arnaldo correr na calçadinha de uma placa de publicidade até a outra, numa distância de apenas 100m. Tampouco se via o dono do bar pegar na raquete para brincar de beach tennis e fazer de conta que suava. Nada. O que ele dizia, no entanto, é que treinava duro nos fins de semana, quando viajava para a fazenda.
Criou-se então um mito de que o bom Arnaldo passava sábados e domingos de treinamento intenso para voltar à forma e praticar seu “esporte”, como ele dizia, sem especificar qual era. Mas entrava e saía mês e o porte físico de Arnaldo seguia absolutamente inalterado. Como a dieta ao longo da semana era de fato rígida, o que podia estar dando errado era ele perder completamente o controle na ida à fazenda, ou o treinamento ser de mentira.
Na segunda-feira, o normal era que estivesse dolorido pela rotina intensa de exercícios físicos do fim de semana. Mas não, estava no bar, relaxado, à mesa com dois amigos. Ele recusava a cerveja, enquanto os outros dois, atletas amadores de corrida e ciclismo, faziam questão de suar a camisa de manhã somente para se refestelar à noite. No meio da conversa, Arnaldo desabafa sobre seu insucesso na perda de peso apesar de tanto se dedicar ao seu “esporte”.
— Meus amigos, eu me esforço, viu? Me esforço muito. Mas não posso nem sentir cheiro de cerveja que já engordo. E por mais que treine, não perco peso — lamentava.
Os companheiros de mesa perguntavam o que ele fazia para não ter resultado. Era academia tradicional? Os treinos eram leves? Por que o esforço em vão? Até que fizeram a pergunta de milhões:
— E qual é o teu esporte?
— Vaquejada — respondeu Arnaldo, de pronto.
— E o cavalo? — emendou o colega de boemia.
— Meu cavalo é magro.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 13 de maio de 2022.