Se o presidente da República precisasse de um título, assim como são mencionados os grandes líderes na história, jamais seria lembrado como “O Grande”, tal qual Alexandre, famoso por suas conquistas. Bolsonaro, não. Fez o caminho inverso dos feitos, e de tanto colecionar desfeitos, não consegue mais fugir de suas próprias criações. Bolsonaro, o Mentiroso, não começou a mentir de 2019 para cá, quando tomou posse na Presidência. A diferença entre o Jair deputado enfadonho e incapaz e o chefe de Estado tóxico e igualmente incapaz está no cotidiano de inverdades, desde antes das eleições, que crescem como uma bola de neve.
Ainda candidato a presidente, Bolsonaro já mentia. Na cara dura, em rede nacional, mostrou uma cartilha no telejornal de maior audiência do país alegando que o material integrava um suposto “kit gay” e que a cartilha era distribuída nas escolas por governos petistas. Falava com a veemência de um dono da verdade, interrompendo o interlocutor e prosseguindo com suas mentiras.
A imprensa tem grande parcela de culpa por não tê-lo chamado de mentiroso desde as primeiras vezes em que seu nariz crescia. A ética na prática jornalística em dar o mesmo espaço a todos os candidatos e tratá-los da mesma forma funciona apenas entre pessoas que mantêm o mínimo de civilidade. Para os inescrupulosos, o sistema termina por ser benéfico. Falam o que querem e ninguém os rebate à altura. No dia seguinte, continuam a ter espaços na mídia onde reproduzem suas leviandades. Esta, sim, é a cartilha de Bolsonaro.
Com seus mais de 20 anos de emprego público eletivo na Câmara dos Deputados sem nenhum trabalho relevante, mas com uma longa e controversa trajetória de desafetos e ligações mal explicadas com a milícia do Rio de Janeiro, Bolsonaro jamais seria eleito presidente da República em um jogo onde as regras fossem as mesmas para todos. Ele mentiu ao dizer que sua campanha era pobre de investimentos. Existem indícios que apontam pagamentos de disparos em massa de mensagens usando o aplicativo WhatsApp feitos por empresas. Se comprovado, o crime derruba a chapa do presidente. Ele mentia na forma, com os disparos e os robôs nas redes sociais, e, claro, mentia no conteúdo, pois tudo o que saía daquela rede maligna eram fake news.
Nas últimas semanas, Bolsonaro se enrolou em agressões e mentiras que podem derrubá-lo de sua cadeira no Palácio do Planalto.
Agrediu a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, com tom pejorativo e sexual. A mesma que denunciou o esquema de fake news da sua campanha.
Mentiu por antecipação ao dizer que os celulares do miliciano morto, Adriano da Nóbrega, poderiam ter mensagens que envolvessem o presidente ou seus familiares plantadas pela perícia, como se fosse possível plantar posteriormente mensagens enviadas ou recebidas com datas anteriores.
Mentiu tacanhamente ao dizer que o vídeo enviado do seu celular incentivando a população a protestar contra o Congresso Nacional era de 2015. O vídeo continha imagens de 2018. Bolsonaro teve o descaramento de mentir nas redes sociais, a partir de seus canais oficiais.
Nos três casos citados acima o presidente pode ser enquadrado em um processo de impeachment, seja por falta de decoro, seja por crime.
Quer caia, quer não, a verdade é que as instituições fazem vista grossa para Bolsonaro em troca de uma agenda liberal que vem sendo tocada no Congresso. Se querem esfolar o trabalhador e os pequenos e médios empresários, que sigam com essa agenda. Eles nem precisam deste presidente para aprovar as mudanças nas leis. O risco de morte da democracia é mais grave do que toda a vilania que os parlamentares são capazes de validar. E no fim das contas, em mentiroso não se confia.
*coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 03 de março de 2020.