Jesuíno nunca foi flamenguista. Achava curioso analisar quais eram os times preferidos do bairro, e como política de boa vizinhança, fazia questão de entender sobre confrontos, competições, rivalidades locais, rivalidades regionais. O que no começo era bastante confuso, com o tempo fazia certo sentido. E o que mais lhe chamava atenção era a pluralidade do torcedor que tinha mais de um time para torcer. Um no Rio, outro em São Paulo, em sua maioria, mas havia também quem torcesse por diversos, como se em cada lugar deixasse um pedaço do coração. Mas de toda forma, nas centenas de possibilidades combinatórias, o Flamengo era o time mais escolhido.
Daqueles que torciam pelo time da cidade pequena e queriam um de fora para vibrar pela televisão, o Flamengo ganhava disparado na preferência dos torcedores. E quem pouco se importava com o time local normalmente saía escolhendo clubes para torcer Brasil afora. Adolfo, o torcedor mais empolgado do bairro, tinha praticamente um em cada estado. As combinações, no entanto, respeitavam critérios de cores, nomes e rivalidade.
O primeiro time de Adolfo era o Flamengo. Logo, no Paraná ele torcia automaticamente pelo Atlético, pois quando via o manto rubro-negro suas pupilas dilatavam. Da mesma forma era na Paraíba, torcia pelo Campinense por conta das cores. Em Minas Gerais era Atlético tão somente pela familiaridade ao redor, pois se nenhum time grande no estado usava vermelho e preto, o Atlético Mineiro reunia motivos para simpatia de outros dois: o nome do seu time paranaense e a raposa, mascote do paraibano. Jesuíno, inocente, quando ainda tentava entender a lógica de tudo isso, arriscou dizer que, obviamente, em Pernambuco o amigo era torcedor do Sport. – Jamais! – respondeu Adolfo, visivelmente consternado. – O que fizeram conosco em 1987 foi um acinte! – emendou, encerrando o assunto.
Mas a simpatia pelo Flamengo tomou conta mesmo de Jesuíno depois dos tempos de Jorge Jesus. Aquela comoção no país, uma nação – como eles diziam – saindo às ruas todos os dias com o sorriso estampado. Foi bonito de se ver. Quem viveu, viu. E apesar de vibrar junto com o Flamengo, ele não se considera necessariamente um torcedor, pois neste ano, por exemplo, está torcendo pelo Botafogo no Brasileirão, e segundo as regras da vizinhança, só pode um time por unidade da federação.
Jesuíno faz diferente, escolhe um por competição. E se no Brasileirão ele é Botafogo, na Copa do Brasil é São Paulo e na Libertadores é Flamengo desde criancinha.
Torcer pelo Flamengo em alguma disputa é especialmente interessante para ele porque garante a desculpa para manter laços criados sob o comando do técnico português. E assim fez a vibração nos dias que antecederam aquela partida de volta contra o Olimpia. – Vai dar Flamengo, pode anotar e me cobrar no dia seguinte – dizia, arrancando sorrisos dos vizinhos e derramando a gota que lhes faltava de esperança. Não que a situação estivesse difícil, o Mengão era favorito e entrava em campo com um gol de vantagem, marcado na partida de ida. Mas jogo de volta, mata-mata, e ainda mais fora de casa, sabe como é.
Jesuíno estava trôpego, caindo de sono quando viu Bruno Henrique abrir o placar para o Flamengo aos 8 minutos do primeiro tempo. Com agregado de 2 a 0, concluiu que o jogo estava resolvido. Desligou a TV e foi dormir.
No dia seguinte, absolutamente despreocupado em consultar o resultado, sem dar nem um passada de vista nas redes sociais, Jesuíno sai de casa para levar o lixo até a calçada. Se depara do lado de fora com Adolfo e abre um sorriso para cumprimentar o vizinho.
– Bom dia, meu amigo! Mengão, ein?!
– Bom dia pra quem? Tá frescando, é? – Responde Adolfo, indignado.
– Oxe, meu amigo, e não ganhou ontem?
– Ganhou o quê? Perdeu e você sabe, tá querendo tirar onda com a minha cara.
Jesuíno levou meia hora para se explicar, sentou na calçada e até lamentou junto a virada do time paraguaio que levou o Flamengo à eliminação. Daquele dia em diante, o torcedor eclético decidiu só dar “bom dia”, após consultar os resultados do dia anterior.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 18 de agosto de 2023.