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Cabo de guerra

publicado: 07/01/2022 08h00, última modificação: 07/01/2022 10h40

por Felipe Gesteira*

 

Aos nove anos de idade, o sonho de Joaquim era participar de uma competição de futebol. Logo ele, o gordinho da turma. Desde a terceira série sempre fora deixado por último na escolha dos times, quando os dois melhores jogadores da turma escolhiam cada qual, após disputa de par ou ímpar, quem da sala ficaria de cada lado do campo. Somente no ano seguinte, com a chegada de Fernando, na quarta série, Joaquim descobriu que não vinha sendo preterido por motivo de gordofobia, pois o aluno novo era mais gordinho que ele, porém sempre disputado pelos capitães para fazer parte dos jogos. O problema de Joaquim era mesmo ser ruim de bola.

Ele queria ao menos ser banco, sentir a emoção de fazer parte. A grande oportunidade viria nos jogos internos. No ano anterior, a turma não tinha alunos suficientes para formar dois times, assim Joaquim ficou muito longe de entrar no elenco dos melhores da sala. Não era nem o 16º suplente. Mas naquele ano, não. O acréscimo de alunos deu contingente suficiente para formar exatamente dois times. Ele fez e refez as contas. Dava certinho! Mesmo sendo o último escolhido, figuraria em uma das equipes.

A escola dispunha de dois campos: um poeirão e um novíssimo campo de grama, que seria inaugurado na competição. Os alunos treinaram o ano inteiro descalços, na poeira, mas os jogos seriam no gramado, e para isso foi exigido que todo atleta usasse chuteiras, pois o tênis prejudicaria a condição da grama. 

Joaquim achou que chuteira era pouco. Ele na verdade nunca havia sequer calçado uma, mas a exigência da escola aumentava a expectativa para o início das disputas. Se fazer parte de um time numa competição de verdade já seria o máximo, imagina então usando chuteiras? Assim que soube da necessidade, pediu a seus pais que comprassem também meiões e caneleiras. Iria todo paramentado, parecendo até um jogador.

Do jeito que lhes foi pedido, seus pais fizeram. Não sem alguma resistência, pois nunca tinham visto o menino Joaquim jogando bola e de repente chega aquela demanda de uniforme. Mas ele estava tão eufórico que foi difícil negar. Ele queria uma chuteira igual à do Neymar, a mais cara de todas. O pai, desconfiado daquela incursão, não botou tanta fé assim e convenceu o pequeno a comprar uma da mais barata até que ele se adaptasse ao uso de chuteiras para, na próxima — se é que haveria —, comprar uma melhor. 

Chega o dia do campeonato. Joaquim não queria nem saber de qual time iria fazer parte, só que estava dentro. Estava ele pronto, de meiões e chuteiras desde o café da manhã, antes de sair de casa. Eis que na hora da inscrição dos atletas, descobrem que a informação havia sido dada errada sobre o limite de cada time. Era um a menos do que fora informado anteriormente, deixando assim Joaquim e um outro pereba de fora.

O menino chorou. Ele, que não sabia jogar futebol, era péssimo nos demais esportes com bola. Não sabia fazer arremessos de basquete, nem dar manchetes no vôlei. Dessa forma estaria fora de todos os esportes. No auge da decepção, um colega alertou Joaquim para o cabo de guerra, modalidade que estava estreando naquele ano. 

Era a sua chance de conquistar uma medalha. Desafio aceito! E mesmo sendo ao final do dia de competições, ele não tirou as chuteiras dos pés. Entendeu que havia um motivo para estar usando o calçado e cravaria seus pés na areia com maior aderência. Joaquim foi campeão escolar por equipes no cabo de guerra, ele e mais outros 14 estudantes, e tem até hoje a certeza de que o par de chuteiras foi determinante para a vitória.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 7 de janeiro de 2022.