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Capim santo

publicado: 12/08/2022 00h00, última modificação: 12/08/2022 11h27

por Felipe Gesteira*

Submerso, Arturo encontra prazer em um mundo mais simples, longe de tudo o que lhe aflige. Os problemas terrenos não atravessam a superfície da água. Boletos, aperreios, isso fica lá em cima. Lá embaixo, a única preocupação é justamente esquecer das coisas que faz enquanto respira. A ordem é inversa, não respirar. Preso, porém liberto. 

Apneia virou prática diária de Arturo, mas seu maior divertimento mesmo era evoluir na escala do tempo em que conseguia passar debaixo d’água. Daquele ex-nadador que vivia de contar os feitos de um passado que não voltaria, pois deixara a vivência esportiva, surgia agora um novo atleta que buscava, semana após semana, bater seus recordes pessoais. E se a apneia não é vista como um esporte tradicional, pouco importa, pois a competição era contra suas próprias marcas.

Enquanto brigava consigo por desempenhos e tempos mais elásticos, os colegas de trabalho de Arturo, cansados de ouvi-lo só falar dos idos da juventude, encontravam-se como torcedores deste novíssimo atleta. Vibravam muito a cada vez que ele batia o tempo anterior. Organizavam churrascos para assistir ao amigo tentando se superar. Arturo e suas histórias se traduziam em constantes eventos.

Com o tempo, a performance do atleta da turma estagnou. Algo absolutamente normal, visto que não se tratava de um esporte de alto desempenho, ou que o próprio tivesse acompanhamento profissional. Na primeira segunda-feira em que foi questionado se teria batido a meta no domingo, Arturo mentiu. Neste caminho sem volta, a brincadeira travestida de esporte degringolou. 

Encabulado por não conseguir mais evoluir, semana após semana ele passou a aumentar os números, até que os colegas propuseram um novo churrasco, para conferir a marca mais recente, digna de mergulhadores profissionais. Sempre que surgia a ideia, ele se esquivava, e aparecia na segunda-feira com o relato de um novo recorde quebrado. — Mas num tem um vídeo? — perguntavam, e ele respondia — Está duvidando, companheiro?

Os aumentos sucessivos não tiveram fim. Arturo seguiu a cada semana adicionando segundos, que anos depois viraram horas, de forma que entrou para o anedotário da empresao. Ele dizia sua marca, os colegas fingiam acreditar. Certa vez, ao puxar conversa com um desavisado, causou espanto.

— Paulo Sérgio, tu num vai acreditar. Esse fim de semana alcancei a marca de 4 horas e 15 minutos embaixo d’água. Sem tirar de dentro!

— Quatro horas e quinze minutos? Arturo, só num vou dizer que é mentira tua por esses 15 minutos aí, porque conta de mentiroso normalmente vem fechada — respondeu o colega de trabalho se segurando para não cair na gaitada.

A história das 4 horas e 15 minutos se espalhou pela repartição feito notícia ruim. Mas o dono da marca, o homem-máquina capaz de feitos inimagináveis, pouco se importava que fizessem piada de seu recorde. Meses depois, o estagiário da repartição puxou uma conversa a respeito da crendice da sua avó, que alertava para que os homens da família evitassem chá de capim santo, pois a erva supostamente reduzia a potência pulmonar. De onde estava, Arturo, de costas, sem ao menos se virar para entrar na roda de conversa, se intrometeu:

— Tem nada a ver! Desde jovem tomo todos os dias um chazinho de capim santo e nunca tive problema nenhum com a potência. 

A repartição inteira caiu na gargalhada. Quase em uníssono, os colegas responderam: 

— Imagina se não tomasse!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 12 de agosto de 2022.