por Felipe Gesteira*
— Catchup e maionese?
A pergunta de Seu Monaci é rotineira. Sempre ao terminar de montar um cachorro quente daqueles tradicionais, que no país inteiro só se encontra em João Pessoa, com salsicha, carne moída, vinagrete e queijo ralado, ele indaga se o cliente vai querer finalizar a iguaria com catchup e maionese por cima. Parece simples, questão com resposta de “sim” ou “não”, apenas. Mas não há nada em que se tenha duas opções que seja algo de escolha simples para Eduardo.
Ou é, pois ele simplesmente entrega ao destino. Diante de Seu Monaci, que está paralisado com os tubos de plástico amarelo e vermelho a postos para se livrar daquele indeciso e passar para o próximo cliente, Eduardo tira sua moeda da sorte do bolso, joga para cima, apara na mão oposta, confere o resultado, sorri sozinho, depois olha para Seu Monaci e diz: — Pode colocar.
A bendita moeda da sorte de Eduardo era herança de seu pai, que morreu quando ele ainda era criança, e no fim das contas, após o incêndio que devastou todas as memórias de família da casa em que o pequeno morava, restou apenas a moeda. A cada lance de cara ou coroa Eduardo fazia força para lembrar do rosto do pai, e invariavelmente os dois se conectavam por qualquer outra lembrança das brincadeiras que compartilhavam nos fins de semana, quando o então atacante do Botafogo chegava em casa após uma partida no Almeidão, tomava banho e esquecia do mundo para dar atenção somente ao filho.
Eduardo seguiu os passos do pai na carreira de jogador de futebol, no clube e até na posição. Havia no início uma cobrança natural para que ele fosse tão bom de bola quanto seu genitor, porém a pressão logo se esvaiu com os lances do jovem em campo. O que ninguém aguentava, no entanto, era o jogo de cara ou coroa. Para tudo Eduardo ia até a beira do gramado. Sempre que fosse escolhido para bater uma cobrança de pênalti, ia lá consultar se devia bater do lado esquerdo ou direito. Havia técnica, mas a sorte predominava.
A quem questionava sua mania, ele justificava que a prática não acontecia só em campo. Eduardo jogava cara ou coroa para tudo o que tivesse de ser decidido na vida, desde a escolha de um ônibus, o que comer, o que vestir, até a resposta a um pedido de namoro. Foi dessa forma que ele julga até hoje ter perdido o amor de sua vida. Mas a rotina seguia assim mesmo.
Na final do Campeonato Paraibano contra o Treze, rival que haviam enfrentado outras quatro vezes nesta temporada, o jogo termina empatado no tempo normal e na prorrogação. Eduardo seria o último a bater a série de cobranças de pênaltis. Ele vai até a beira do campo, joga a moeda da sorte, e o resultado indica que deve chutar do lado esquerdo.
O técnico pergunta de que lado ele vai bater e fica perplexo com a resposta, pois o resultado fora idêntico por outras três vezes contra aquele mesmo goleiro e em todas o adversário defendeu a cobrança.
— Eduardo, pelo amor de Deus, para com isso. Muda o lado! Ele vai cair lá e pegar de novo! — adverte o treinador, quase em tom de súplica.
É verdade que o jovem jogador já vinha cansado de para tudo ter que consultar o oráculo que morava dentro do seu bolso. Da mesma forma não aguentava mais a cobrança dos colegas. Naquele dia, especialmente, uma comissão de jogadores se formou em volta dele para pedir que chutasse na direita. Até o goleiro trezeano percebeu e apontou o lado na hora da batida.
Eduardo correu e chutou pra cima, para fora, tão longe do gol a ponto de fazer o Elano da Copa América de 2011 sentar e aprender. No mesmo dia, guardou a moeda na carteira e aposentou a jogatina. O cara e coroa tornou-se uma lembrança afetiva querida e nada mais.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 7 de outubro de 2022.