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Castigo

publicado: 08/07/2022 08h00, última modificação: 15/07/2022 09h33

por Felipe Gesteira*

Foi grande a decepção de Dário ao perceber que Clóvis, proprietário da banca de jogo do bicho que ficava em frente à repartição onde ele trabalha, não estava lá na hora do almoço, como de costume. Os dois se encontravam ao menos três vezes por dia, quando Dário passava lá para fazer uma fezinha. Sempre valores pequenos, sempre na ‘cabeça’, para tentar acertar a milhar. Após tantas apostas, se vencesse, talvez o prêmio nem fosse suficiente para cobrir tudo o que já havia apostado ao longo de anos, mas Dário seguia apostando. 

A relação com Clóvis havia extrapolado o patamar da prestação de serviço. De cliente do bicheiro, se tornara amigo e confidente. A última jogada do dia acontecia quando Dário saía do trabalho, por volta das 16h, pouco depois da reabertura da banca após a pausa do almoço. Em vez de ir direto para casa, Dário ficava lá, gastando dinheiro, falando de sonhos, apostas, e da monotonia de sua vida. 

A decepção se deu quando Dário teve um viagem de trabalho cancelada. Ele sairia de lá mesmo da repartição e só voltaria no dia seguinte. Logo que se viu liberado para tirar o dia de folga em casa, ao lado da esposa, que estava de férias, Dário percebeu que não teria a sagrada hora de conversa com o amigo no fim do expediente. Resolveu então antecipar o momento, mas não o encontrou. Foi para casa desolado, porém tristeza maior encontrou ao adentrar a sala: mesa posta para duas pessoas, pratos ainda virados, a comida servida, esfriando, e o amigo da banca do bicho em seu quarto.

Dário nunca superou o infortúnio, e não conseguia admitir o quanto era ausente do casamento. Meses depois, após o divórcio, o orgulho o impedia de jogar no bicho. Foi então que seguiu o conselho de seu chefe, Roberto, e passou a apostar no futebol, por meio de um desses sites de apostas.

A emoção não era a mesma. Se por um lado experimentava muito mais vitórias que as constantes derrotas no bicho, a desvantagem estava na falta da perspectiva de riqueza. Foi aí que Dário teve a ideia de apostar tudo o que lhe havia restado da partilha de bens. Já que não iria multiplicar em muitas vezes seu patrimônio, ao menos ficaria rico com uma jogada de baixo risco. 

A dica estava na 15ª rodada do Brasileirão. O badalado Palmeiras do português Abel Ferreira receberia em sua casa, no Allianz Parque, o Athletico do ultrapassado treinador Luiz Felipe Scolari, imortalizado pela derrota de 7 a 1 com a Seleção. O time alviverde estava escalado com todas as estrelas: Scarpa, Veiga, Dudu e Rony. Todos os analistas apontavam vitória do mandante. E ali Dário pôs todas as suas economias.

Faltou combinar com o outro lado. Scolari, ídolo palmeirense, se sentiu em casa no estádio  novo. Foi com tudo para cima do adversário e impôs uma vitória surpreendente. Ao longo de toda a semana seguinte, Dário não sabia se chorava mais pela pela aposta errada ou ainda pela perda de seu grande amor. No fim do expediente, foi até a sala do chefe em busca de um ombro. 

Diante do colega de trabalho e agora novo amigo, chorou contando cada detalhe da partida. Do brilhantismo do Furacão, que venceu o Palmeiras contra todas as previsões, à apatia do líder do campeonato.

— Perdi tudo, Roberto. Tudo! — lamentava Dário, num choro que reunia todas as tragédias de sua vida.

— Todo castigo é pouco — sentenciou seu amigo. 

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 8 de julho de 2022.