por Felipe Gesteira*
Era chegada a hora de pôr novamente à prova a fé de Seu Agenor na medalha de São Jorge que fora utilizada por Rivellino em todos os jogos até a conquista do polêmico Torneio Rio-São Paulo de 1966. Quando seus dois filhos fizeram teste para jogar no melhor time da cidade, o Botafogo da Paraíba, o pai beijou a medalha e pediu ao santo a mesma sorte que tivera o craque corintiano, supostamente antigo dono daquele artefato vendido na rodoviária da capital paulista como objeto de grande valor. Se a origem da medalha era ou não verdadeira, pouco importava àquela altura, visto que a magia havia acontecido por duas vezes, em decorrência da fé, do santo guerreiro, ou mesmo da sorte dos garotos que também eram muito bons de bola. Apesar dos elogios ao futebol dos dois, o velho pai fazia questão de dizer nos almoços de domingo que as vagas haviam sido conquistadas graças ao beijo na medalha.
Dessa vez, o caso era mais grave, e até mais importante para Seu Agenor, pois se tratava de seu neto, e neto, como se sabe, mexe com coração de avô numa intensidade tal qual à de filho, só que ao quadrado.
Como filho e sobrinho de ex-jogadores do Belo, havia muita cobrança para a aprovação no teste do jovem Leonardo. O mais intrigante é que o garoto também era bom de bola. Atacante que sabia driblar, armava jogadas, tinha um passe refinado, talento para chutar de primeira, além de incrível noção de posicionamento dentro de campo. Só que bastava ouvir falar que estava sendo observado por um olheiro que a bola de Léo murchava. Era passe desconcertado, tropeço e queda. Um desastre completo. Mas a família insistia para que ele mostrasse seu bom futebol e desencantasse. Diante da proximidade da última oportunidade para um teste, toda a família se reuniu em torno de Seu Agenor para que ele fizesse novamente a tão falada simpatia da medalha.
Dia da verdade. Leonardo, mais nervoso impossível. O avô aguardava na arquibancada da Maravilha do Contorno. Começa o teste em um jogo-treino. Os olheiros já conheciam o parco futebol de Leonardo, mas a pedido de ídolos históricos, resolveram dar mais uma chance, alguns minutos no final daquela partida para que ele apresentasse o que até então não conseguira.
Aos 32 minutos do segundo tempo, o técnico chama o jovem Léo para o aquecimento. Dá-lhe uma canseira, e só aos 38 o coloca em campo. É nessa hora que o velho Agenor beija a medalha e entrega o milagre a cargo de São Jorge.
Quase fim da partida e nada acontecia. A bola não chegava para que Léo pudesse mostrar sua habilidade como atacante. O sofrimento de todos que torciam por ele estava na iminência de que desta vez faltasse oportunidade. Ele se posicionava bem, estava tranquilo, mas nada de bola.
Ao que parecia ser o último lance da partida, aos 49 minutos do segundo tempo, acontece um contra-ataque. Três jogadores, incluindo Léo, por uma das pontas, contra só um defensor, ultrapassado pelo meia que agora carregava a bola com mais dois companheiros contra um goleiro sozinho.
Danilo poderia muito bem ser fominha e marcar mais um gol, mas ele fizera um teste magistral, estava com a vaga garantida. A vaga e o poder de decidir quem iria marcar e se consagrar: Léo, um garoto que ele conhecia só de vista, ou Douglas, seu melhor amigo. Sabendo da amizade dos dois, Léo anteviu a própria desgraça, mas decidiu acompanhar o ataque assim mesmo, como prova de determinação.
Acontece que naquela semana, Danilo havia revelado para Douglas seu amor por Maria, a menina mais charmosa da escola. E Douglas, sabendo da timidez de Danilo, aproveitou para tomar a dianteira e dar em cima da moça, que lhe concedeu um beijo. A cena da traição do amigo passou como um filme na cabeça do meia armador, que não contou conversa e entregou a bola para Léo.
O neto de Seu Agenor não acreditou, chutou com muita força, mas de mau jeito, e o goleiro rebateu. A bola voltou forte e acertou em cheio o rosto de Léo e depois fazer o caminho de volta para de gol.
Ainda com a boca inchada pela bolada, Léo foi comunicado do aceite para o time. Todos vibraram, até Douglas. E a quem perguntasse como havia sido a conquista, a resposta era uma só: foi por um beijo!
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 26 de novembro de 2021.