Somente o ronco do motor já é capaz de fazer o coração acelerar, seja de quem tem a sorte de estar dentro pilotando, ou de qualquer um a ouvir mais de perto. Um Ford Mustang fabricado no ano de 1966 é uma verdadeira obra de arte para qualquer pessoa que aprecie o universo automobilístico. Design com linhas únicas, copiado por diversos outros fabricantes, tanta potência dentro do motor V8 a ponto de fazer o carro embicar na hora da arrancada. Com todos os seus 225 cavalos, ele não é enquadrado na categoria ‘muscle car’ à toa.
Sabe quem tem um desses? O técnico do Palmeiras, Abel Ferreira. A polêmica em torno de um dos carros de Abel surgiu ao término do Campeonato Paulista, quando ele foi premiado pela patrocinadora, a montadora chinesa de veículos BYD, com um de seus mais comercializados modelos, o elétrico Dolphin Mini.
Abel ficou numa saia justa, mas conseguiu sair bem, disse que preferia os carros clássicos. Parte da imprensa foi pra cima com manchetes sensacionalistas, como se o treinador tivesse rejeitado o presente. Importante destacar o quanto são coisas diferentes. Apesar de cumprirem a mesma função de deslocamento sobre quatro rodas, colocar um carro elétrico pequeno no mesmo patamar de um icônico movido a gasolina é no mínimo injusto. Não é como comparar Coca-Cola a Pepsi e dizer simplesmente que cada qual atende seu próprio público. São ambos carros, têm quatro rodas, bancos, portas, mas a forma como seus motores funciona é absolutamente diferente.
Com o intuito de aproveitar o burburinho da resposta de Abel, a BYD publicou um vídeo publicitário bastante provocativo e que rapidamente viralizou nas redes sociais digitais. No filme, um Mustang 1966 tenta estacionar em uma vaga apertada, não consegue e vai embora. Em seguida aparece o Donphin Mini, que faz a manobra com facilidade. Do carro estacionado desce um homem vestindo uma camisa verde, no tom usado pelo Palmeiras.
O vídeo rendeu milhares de comentários e reações de torcedores, em sua maioria exaltando o Mustang em vez de cogitar a troca do carro a combustão pelo novíssimo elétrico. Muitas das mensagens acusavam a BYD de ter feito contrapropaganda do seu próprio veículo, de tanto que o clássico americano foi exaltado no filme publicitário.
Digo sem medo de errar, não foi contrapropaganda. O que a BYD fez além de exaltar o seu próprio produto foi adotar uma postura respeitosa em relação à marca concorrente. No filme, os dois veículos são exibidos. Quem gosta de carros clássicos, de ronco de motor, vai dizer que a peça publicitária favorece o carro da Ford; quem prefere praticidade, mobilidade, facilidade para estacionar em qualquer lugar, vai olhar para o Donphin e vê-lo como a melhor opção.
Esse modelo de comunicação funciona como um apito para cachorros, aquele sem barulho, mas que ressoa numa frequência em que cães ouvem e humanos não. A BYD não quer concorrer com a Ford, quer mostrar o carro dela, sabe exatamente quem é seu público e aproveita a repercussão que só o futebol consegue mobilizar no Brasil para fazer seu produto ser mais conhecido. O assunto esteve entre os mais comentados e furou a bolha de quem nem acompanha os times paulistas. Como brasileiro não perde a oportunidade de torcer por algo, as referências ficaram polarizadas entre qual dos dois era o melhor carro. Da parte das marcas, como resultado do filme publicitário, as duas saíram vitoriosas.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de abril de 2024.