Notícias

Correr me deixa feliz

publicado: 01/09/2023 11h47, última modificação: 01/09/2023 11h47

por Felipe Gesteira*

Ser feliz é fácil, dizem. Vai ver é só da boca de quem diz, ou aquele que diz faz isso porque precisa reafirmar para si, treinar o cérebro, fazer acreditar até que de fato seja verdade, ou mesmo para vender a tal felicidade dentro de uma caixinha, contida como produto do embrulho de uma ideia que sequer se sustenta.

Tem gente que precisa de algo para ser feliz. Se é feliz assistindo a um filme, precisa de uma TV, projetor, algo que reproduza em tela o feito cinematográfico. Há quem seja feliz com um jogo novo, um carro novo, um celular novo. Tem muita gente que fica feliz com o novo, o problema é que este novo novíssimo se esvai no instante limite em que deixa de ser novidade, e aí um outro novo é necessário, alimentando o ciclo incessante da busca pelo que se ter.

De uns tempos para cá a contínua infelicidade sobre a posse evoluiu. Para muitos não basta ter, é preciso, além de adquirir, mostrar o que se tem a conhecidos e desconhecidos, perseguidores entranhados numa imensurável teia digital que conecta pessoas interessadas na vida cotidiana alheia por meio das redes sociais digitais.

É mais simples ser feliz sendo criança? Aparentemente, sim. No entanto, para muitos pequenos a felicidade só é encontrada nos aparatos. Esse encontro se dá desde o objeto mais simples, como uma bola ou uma boneca, até o eletrônico. Já tem criança pequena que só fica feliz com um tablet na mão, e ali mergulha para esquecer do mundo. Ficam presas em vídeos curtos emendados um no outro numa continuidade sem fim, criada propositalmente para prender as mentes pequenas. Pensando somente em aquietar, adultos deram às crianças o sentido do consumo, e de brinde foi junto o vício em dopamina. Faz pena.

Por tudo isso é de chamar atenção quem alcança a felicidade com algo simples, sem precisar de nada adquirido para fazê-lo ser. Contemplar um amanhecer, descansar no entardecer, receber um arco-íris como um presente visual e se contentar no seu espetáculo de cores sem pensar no espectro prismático sob o ponto de vista da Física, tampouco qualquer ideia religiosa de promessa. Ele está lá, tornando o céu colorido e ponto.

Apesar de tantos incentivos por parte dos adultos para que os pequenos deixem de ser crianças o quanto antes, são eles quem mais ensinam sobre felicidade e simplicidade. Dominique, por exemplo, gosta de correr. Ele fica feliz com a sensação da velocidade. É como se seu corpo se agitasse todinho por dentro, num fenômeno que transcende a experiência do mover-se. Quando corre, perceber-se mais rápido do que o mundo ao redor o faz feliz. E esse êxtase é atingido exatamente pela compreensão de que são suas pernas que o fazem ficar mais rápido. Por isso, ele não precisa de moto, bicicleta, patinete, nada que o ajude a tornar-se mais veloz. A felicidade se dá no pé ante pé continuado, ritmado e acelerado.

E correndo, torna-se pleno. Isto, para ele, basta. Somente correr, somente sentir. Não precisa postar, expor, dizer a ninguém que correu. Também não precisa de relógios sofisticados, tênis caros, muito menos de um evento como justificativa. Não precisa nem mesmo de marca, objetivo. Tempo, distância, para quê? Sentir-se rápido é o suficiente, e pode ser um pouquinho, daqui para ali e pronto, está resolvido.

Certo dia ele assistia a um desenho animado que questionava o espectador sobre o que faz feliz. Estava com o pai, a mãe e a irmã mais nova. Seus pezinhos já passavam do limite do sofá, e balançavam refletindo certa curiosidade sobre o tema, até que o pequeno disparou:

– Correr me deixa feliz.

* * *

Dedico esta coluna ao meu Dominique, o menino mais rápido que já vi correr. Hoje ele completa 4 anos de vida, alegria e muita velocidade. Zum!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 01 de setembro de 2023.