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Drauzio, o Incancelável

publicado: 11/03/2020 09h24, última modificação: 11/03/2020 09h26

tags: drauzio varella , show da vida , fantástico , suzy , felipe gesteira

 

A rede bolsonarista de propagação de ódio por meio das redes sociais tomou como alvo, nos últimos dias, o médico e escritor Drauzio Varella. Na verdade, Drauzio serviu como bode expiatório para atingir a Rede Globo, emissora onde o médico participa com uma coluna no programa jornalístico Fantástico, exibido nos domingos à noite. A estratégia dos perfis e robôs coordenados por grupos ligados politicamente ao bolsonarismo é atacar deliberadamente a imprensa livre, com o intuito de descredibilizar profissionais e veículos e fortalecer junto ao eleitorado seus próprios canais de comunicação. Um método praticado com sucesso por regimes autoritários e fascistas.

Por ter sido contra uma figura tida como unânime, a repercussão tomou grandes proporções. Drauzio tem anos de serviços prestados como médico, e sempre defende causas humanitárias. Entre seus livros de maior sucesso está Estação Carandiru. Nos presídios, presta atendimentos de saúde a quem precisa, independentemente de qual crime tenha sido cometido pelo detento. Na semana passada, um trecho da reportagem veiculada pelo Fantástico viralizou nas redes sociais. O médico abraçou uma paciente trans, que reclamava da solidão após anos sem receber uma visita.

O gesto foi suficiente para que pessoas ligadas a grupos conservadores levantassem a ficha criminal da paciente para denunciar que ela havia sido presa por estuprar e matar um menino de nove anos de idade.

Um crime horrendo, é verdade. Impiedoso. Cruel. Atroz. Terrível. Desumano.

Mas que nada tem a ver com o trabalho do médico Drauzio Varella, que após a repercussão, divulgou a seguinte nota:

“Há mais de 30 anos, frequento presídios, onde trato da saúde de detentos e detentas. Em todos os lugares em que pratico a Medicina, seja no meu consultório ou nas penitenciárias, não pergunto sobre o que meus pacientes possam ter feito de errado. Sigo essa conduta para que meu julgamento pessoal não me impeça de cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico. No meu trabalho na televisão, sigo os mesmos princípios. No caso da reportagem veiculada pelo Fantástico na semana passada (1/3), não perguntei nada a respeito dos delitos cometidos pelas entrevistadas. Sou médico, não juiz.”

Sua fala foi perfeita, Dr. Drauzio. Cirúrgica, eu diria.

A causa humanitária defende justiça neutra e condições de ressocialização. Não é o caso de defender a detenta contra o menino morto, porém, desejar o mal a depender de qual crime foi cometido nos torna menos humanos. Assim são os conservadores. Muitos deles até se escondem sob a bandeira do cristianismo, mas quanto mais espalham o ódio, mais se afastam da mensagem de Cristo. Relegar seres humanos a condições de sofrimento porque estes causaram sofrimento é matar Jesus e reconhecer apenas o Velho Testamento. É estado de exceção. É barbárie. Drauzio, não. Este é humano. Incancelável.

 

Imagem e semelhança

Eu vejo Bolsonaro em cada um de seus eleitores. Eles se viram representados quando o elegeram. Hoje, a criatura é reflexo de seus criadores. Os considero exatamente como Bolsonaro.


*coluna publicada originalmente na edição impressa de 10 de março de 2020