Hugo é apontado por oito em cada dez olheiros das categorias de base como o mais promissor goleiro já visto. Alto, focado, dedicado nos treinamentos, responsável, cuidadoso com a própria saúde, humilde. Sempre em busca de referências de atletas que fizeram história, ele estuda desde como jogava o russo Lev Yashin até o posicionamento do brasileiro Alisson, titular da Seleção e do Liverpool. Talvez por isso esteja tão à frente de outros de sua idade e que atuam na mesma função. Quem o vê em campo diz que o jovem se comporta como um jogador no mínimo dez anos mais velho.
Na estreia como profissional, ele chega aos minutos finais da partida absoluto, com quatro defesas que salvaram seu time, além da iminente oportunidade de começar a carreira oficial com a marca do primeiro jogo sem gols sofridos. O último lance é um escanteio a favor do time adversário. Em ato de pura ousadia, o batedor chuta de trivela, tentando desafiar a fama do goleiro que motivou a presença de tantos olheiros para aquele jogo da segunda divisão. A imprevisibilidade imposta pela batida de três dedos faz com que a bola viaje em trajetória curvilínea, gerando um arco diagonal que não apenas sobe e desce, como uma hipérbole vertical, mas também, ironicamente, arrodeia, mostrando a intenção de arriscar um gol olímpico. Hugo sorri com certa arrogância, considerando que está na bola, porém, em seu caminho, ela passa pelo sol, prestes a se pôr num fim de tarde quase trágico, e no centésimo de segundo em que fica à frente do astro-rei, uma imagem semelhante a um eclipse se forma, contraindo as pupilas de todos que acompanhavam a bola e ofuscando momentaneamente a visão do goleiro. Agora, ele mal sabe onde está.
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Hugo é filho de um ex-jogador de futebol que terminou como massagista de clube da segunda divisão e de uma ex-jogadora de vôlei que chegou a defender as cores do país em competições internacionais. Ele decidiu seguir os passos da mãe e trilhar seu caminho nas quadras. Muito cobrado desde sempre pela imprensa esportiva de todo o país pelo sobrenome que carrega, prefere focar na responsabilidade com a equipe que defende e seguir sendo um dos mais respeitados líberos do país, apesar de estar em início de carreira. Em partida que vale título, seu time está em desvantagem, e o saque com o oponente, que aposta na ousadia, muda de posição, ficando de lado da quadra, e lembra a jogada consagrada pelo craque da seleção de ouro de 1992. A bola viaja, em ‘jornada nas estrelas’, quase até o teto do ginásio, e aponta para o líbero, justo o mais experiente para defender, porém, no vértice da curva, passa diante do refletor mais forte. Por um breve momento ela deixa de ser branca e se torna escura. A sombra inverte sua cor, deixando apenas uma auréola de luz. O ‘claro-escuro-claro’ da bola mexe com a visão de todos os defensores, e agora, na hora da queda, eles já não sabem mais quem estará nela.
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Hugo jamais acreditaria no fim do mundo. Sempre buscou ser pragmático em tudo, desde a escolha da carreira. Todos da família apostavam que ele seria um jogador de sucesso, fosse no futebol ou no vôlei, visto que tem pai e mãe ex-atletas, mas o menino preferiu se agarrar aos números e ainda muito jovem começou a trabalhar como analista no mercado financeiro. Era um prodígio, diziam seus patrões. Ele subiu rapidamente de patamar, estava com o futuro encaminhado, um horizonte perfeito, uma vida tranquila, até que a pior das previsões se cumpria, e dela, ninguém escaparia. Um meteoro, como nos filmes de ficção científica! Tão grande, capaz de reduzir a humanidade a pó, e enquanto se aproxima, encobre o sol, fazendo a luz virar treva. Uma última noite.
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Hugo pisca forte os olhos para recobrar a visão e tentar evitar o gol olímpico. A cada piscadela, uma viagem por outro mundo, um vislumbre de cada outro ‘eu’ vivido em realidades paralelas. Atônito, ele sequer sabe de si, quanto mais da bola, que voa para dentro da meta. Seu pai, que posicionado bem atrás do gol, sabe que pode ser punido, mas arrisca a vida profissional em função de salvar a estatística do filho, entra na pequena área e mete a mão na bola antes que a jogada se converta em gol.
*Coluna publicada originalmente na edição de 03 de março de 2023.