por Felipe Gesteira*
Quando Júnior, Andrade, Adílio e Zico entravam juntos em campo, era de fazer tremer o elenco adversário. Quem estava do outro lado sabia do que eles eram capazes. Quem assistia à partida queria espetáculo. A movimentação que antecedia a partida se assemelhava ao universo das histórias fantásticas, aquelas que narram lendas sobre gigantes que incorporam exércitos para desequilibrar batalhas mitológicas. A intimidação começava só pelo fato de estarem ali, plenos, prontos para mais um jogo.
Assim se comportam José, Francisco, Lucas e Pedro quando adentram em seu campo de jogo. Andam como gigantes. Se espalham pelas faixas, se comunicam por olhares. Cada um aborda um veículo, esguicha um jato de água como que para demarcar território e, não havendo uma recusa do motorista que impossibilite a atuação, começa uma verdadeira corrida contra o relógio. O mesmo processo é repetido por cada um deles. Levantar os limpadores dos para-brisas, jogar mais água com sabão, esfregar bem com esponja, passar o rodo, baixar os para-brisas e repetir o processo no vidro traseiro.
A atuação completa chega a provocar ansiedade em muitos motoristas. Quando eles passam para o vidro de trás é justamente no momento que que o sinal está para abrir. Mas, não. Há tempo para repetir o ciclo e ainda pedir um “trocado” a quem recebeu a prestação do serviço.
Não parece esporte, pois não competem entre si, nem juntos contra outra equipe. Não há marcação de pontos, contagem para saber quem limpou mais vidros ao longo do dia, ou quem arrecadou mais dinheiro. Há, no entanto, uma rotina de excelência capaz de causar inveja a técnicos e atletas profissionais das mais variadas modalidades esportivas.
A forma como José atira o primeiro jato de água para conquistar a atenção do possível cliente poderia credenciá-lo a um esporte de tiro. Na tensão do trânsito, momento em que os carros mal acabaram de parar, ele mira exatamente na altura do olho do motorista, deixando-o desarmado, sem enxergar quem se aproxima e já ocupando o espaço para o início do trabalho.
Francisco é um ás na transição. Levanta e abaixa os limpadores com tamanha precisão que até parece soltá-los no ar, mas trata-se de um repouso suave, que lhe dá folga para a segunda etapa, fazendo também com que sobre mais tempo para os apelos na pedida pelo pegamento. Se competisse no atletismo por equipes seria perfeito em todas as trocas de bastão.
Falar de apelos é lembrar de Lucas e Pedro. Os irmãos gêmeos fazem questão de adotar um método mais complexo que o dos outros dois colegas. Só abordam carros que estejam lado a lado e repetem todos os movimentos de forma simultânea, desde o desnecessário e acrobático giro no ar da garrafa de sabão até a pedida, estendendo o chapéu. Seriam imbatíveis se fossem uma dupla de nado sincronizado. São irresistíveis a quem os encontra.
Independentemente de vencer ou não uma possível disputa interna, os quatro meninos lutam pela batalha diária que é garantir a comida na mesa. Em outras condições, com mais oportunidades, poderiam compor um time de curling, sendo este um esporte óbvio para quem esfrega e limpa superfícies. Mas sem desmerecer o curling, eles são determinados e precisos o suficiente para qualquer outro esporte a que se dedicassem. Não existe meritocracia quando não basta querer.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 19 de novembro de 2021.