“Você está nervoso. Eu conheço você!”
Foi assim que o goleiro Emiliano Martínez construiu a vitória da Argentina sobre a Colômbia, nos pênaltis, em partida válida pela semifinal da Copa América.
A primeira frase pode ser encarada apenas como uma provocação. A segunda é o referendo para adentrar na mente do adversário e mostrar a ele o domínio acerca da afirmação anterior.
Aquele “eu conheço você!” foi um arremate. Uma frase inesperada, desconcertante. Uma única frase capaz de arruinar o psicológico daquele que representava a solidez emocional da equipe adversária.
A frase dita por Martínez serviu para fortalecer a caminhada da Argentina até a final, na vitória e conquista do título continental contra o Brasil.
A situação já era favorável à Argentina naquele momento. Messi abrira a disputa com gol. Em seguida, o zagueiro colombiano Davinson Sánchez e o meia argentino De Paul desperdiçaram, o que colocou nos pés do zagueiro Mina, uma das referências do time, a oportunidade de deixar tudo igual.
Em cobranças de pênaltis é comum a catimba dos goleiros para tentar vencer psicologicamente os batedores. Experiente, Mina não cairia numa provocação do tipo “bate no canto esquerdo”, ou mesmo “eu sei que você vai chutar do lado direito”. Nada disso.
Dois pontos chamam atenção na frase dita por Martínez: fator surpresa e dominação psicológica.
A surpresa foi pela frase em si, diferente de tudo o que se costuma dizer em momentos como aquele. Sempre que nos deparamos com o inesperado, algo imprevisível acontece no nosso cérebro. É preciso parar e pensar, coisa que Mina não conseguiu, exatamente pelo segundo ponto.
Os dois realmente se conhecem. São adversários em competições continentais, cada qual pela seleção de seu país, e também se enfrentam na mesma liga inglesa. O goleiro argentino joga pelo Aston Villa, enquanto Mina defende o Everton.
A primeira frase até poderia ser blefe, mas na segunda, Martínez adentrou a mente de Mina e bagunçou tudo. A fala do goleiro argentino só pôde ser ouvida graças ao som ambiente do estádio, vazio em decorrência da pandemia de covid-19.
Emiliano Martínez disse apenas para Mina, mas o mundo inteiro ouviu e assistiu à expressão do zagueiro colombiano ser imediatamente transfigurada, como quem ouve um segredo a seu respeito que jamais poderia ter sido revelado.
Mina perdeu, desestabilizou o restante da equipe e Martínez cresceu naquela reta final como ídolo.
O resto é história: Argentina campeã e novas cepas da covid-19 distribuídas pelo país, tudo para mais um capítulo da nossa vergonha nacional.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 16 de julho de 2021.