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ESPORTES: Calendário da discórdia

publicado: 09/10/2020 00h01, última modificação: 08/10/2020 09h32

tags: felipe gesteira , futebol

 

De todos os problemas existentes no futebol brasileiro para que o esporte considerado “paixão nacional” alcance nível técnico ao menos semelhante ao que se pratica nas ligas europeias, aquele que é unanimidade entre boleiros, cartolas e demais profissionais do futebol no Brasil é o calendário. E aqui, dentro desta complexa engrenagem que sustenta jogos toda quarta e domingo para manter a programação das TVs, podemos elencar três pontos de destaque: volume, coincidência com as demais ligas e Data FIFA. 

O volume de jogos praticado no Brasil, é reclamação de jogadores e técnicos. Dos atletas porque, obviamente, não há corpo que sustente uma rotina tão intensa, com dois jogos por semana, vez por outra até três. O limite de descanso imposto pelas entidades que protegem os jogadores profissionais não é suficiente. Vemos jogadores estafados, indo e vindo aos departamentos médicos, muitos deles com suas carreiras gravemente comprometidas.

Da parte técnica, os treinadores reclamam que com a agenda intensa, sequer há o que fazer do ponto de vista tático. O máximo possível é passar orientações antes e durante as partidas, pois com jogos oficiais duas vezes por semana é humanamente impossível manter o ritmo das disputas em meio a treinamentos de qualidade. É preciso preservar os atletas para as partidas. Para isto, algo deve ser sacrificado. No Brasil, são os treinos. Por isso a qualidade técnica dos jogos daqui é tão inferior ao futebol na Europa.

Sobre coincidir o calendário brasileiro com o europeu, digo logo que não se trata de um complexo de “vira-latas”. Sim, o deles é tosco e sempre aparece dobrado, feito tapioca, com dois anos seguidos, igual carro zero depois de junho, que pega emprestado o ano seguinte e aparece com nomenclatura dupla, como 2019-2020. Da mesma forma são as temporadas na Europa.

O tema foi bastante discutido no início da pandemia do novo coronavírus, com a pausa no futebol. Era a oportunidade perfeita para unificar os calendários. E por que ajustar o nosso ao deles? Porque como estão organizados há mais tempo, os direitos de transmissão das ligas europeias são vendidos para grandes mercados, como a China. Poder oferecer produtos midiáticos de boa qualidade sem que para isso seja preciso confundir a cabeça do espectador é essencial. Outra questão se refere ao enfrentamento de times brasileiros contra europeus. Em toda final de Mundial Interclubes o que se vê é a mesma coisa, ganhando ou perdendo: times europeus voando no meio da temporada e times brasileiros sem conseguir sair do lugar, enterrados.

O terceiro ponto é óbvio, aparentemente simples de se resolver, mas não há um movimento no esporte, seja dos clubes, ou mesmo da Confederação Brasileira de Futebol pela solução. No Brasil, a Data FIFA, que deveria ser motivo de alegria do povo e união entre times e CBF, acaba sempre sendo pauta de discórdia, como se clubes e confederação em vez de aliados, fossem rivais.

O que se chama “Data FIFA” é a data no calendário anual onde entra em campo não apenas a Seleção Brasileira, mas também diversas outras seleções nacionais pelo mundo. E o que os times alegam? Que são prejudicados nas competições nacionais porque perdem seus melhores atletas para as seleções. 

E por que os clubes europeus, assim como os brasileiros, não reclamam? Porque por lá, em Data FIFA as competições param. 

Lembro-me muito bem do meu tempo de pirralho quando a gente se gabava porque nosso time tivera mais convocados que o rival. Hoje, em vez de surfar no marketing de oportunidade da convocação, os clubes reclamam. Também não é justo brincar com o coração do torcedor, pois ao mesmo tempo em que gosta de ver o jogador do seu time defendendo as cores do país, não que ser desfalcado numa competição importante. 

Por conta de calendário, temos prejuízo na qualidade técnica, na saúde dos jogadores, no valor das ligas para venda internacional de direitos de transmissão e, ainda, na Seleção. Basta, não?

*publicado originalmente na edição impressa de 09 de outubro de 2020.