O último tijolo da casa finalmente fora colocado. Um ano inteiro para concluir a obra que poderia tranquilamente ser terminada na metade do tempo. O atraso não se deu por falta de planejamento. Injusto também seria dizer que a demora teria sido causada por Arnóbio ter empreendido esforço insuficiente na empreitada. Desde o início, quando decidiu levantar sozinho a casa onde moraria com Belina, sua esposa, o plano era se entregar à obra e fazer tudo com as próprias mãos. Até o projeto já estava desenhado. Quarto, cozinha, sala de estar e um cômodo a mais para o bebê que já estava a caminho. O espaço não dava para mais que isso, mas só em ter um pedaço de chão para chamar de seu, mesmo que a duas horas de distância do serviço, era benção sem tamanho. Arnóbio agora se preparava para iniciar o acabamento com muita tinta verde para muros e fachada. A cor do Palmeiras, seu time de coração, havia sido a única exigência imposta a Belina.
Uma pandemia chegou para atrapalhar o andamento da obra. Crise financeira, redução salarial, inflação a perder de vista. Era difícil seguir o plano, pois a cada semana subiam os preços do cimento e da argamassa, assim como do arroz e do feijão. Mais difícil que construir uma casa com as próprias mãos era manter o orçamento doméstico equilibrado. Carne já não se via ali, nem frango. Só ovo, dia sim, dia não. E quando apertava o calor, abriam a janela, pois ventilador também era item de luxo no consumo de energia elétrica.
Com a casa pronta, as dificuldades ficaram no passado. O fim dos custos com material de construção serviram de alívio para a família. O desemprego havia atingido muitos dos colegas de trabalho de Arnóbio, mas ele escapara e, mesmo com a redução salarial, agora conseguia fazer a feira de casa. Comprava carne para comer uma vez por semana, tinha teto, carro próprio para ir ao trabalho e sua filha Maria, nascida em meio à obra, gozava de boa saúde.
Na vizinhança, Arnóbio era tido como um sujeito de sorte. Mas isso era na boca dos outros, nunca na dele. Bastava um mero “bom dia, Seu Arnóbio! Tudo em paz?”, e a resposta viria na lata: “Tá nada!”. Tão breve, tão seca, tão pronta era a réplica que o palmeirense disparava sempre que alguém lhe perguntava se estava bem. Transparecia em suas feições toda a insatisfação de uma vida cheia de reclamações e amarguras.
Em casa, a carga de cuidar de Maria, organizar as compras, preparar a comida, limpar e tudo o mais era completamente despejada sobre Belina. Arnóbio chegava do trabalho como um rei a procurar defeitos em tudo. O tempero da comida nunca estava no ponto de seu paladar; o chão do banheiro, que ele construiu, sim, mas nunca lavou, não estava limpo o suficiente; até nas unhas da bebê ele reparava, mas só para cobrar de Belina, pois pegar um cortador e cortar, para ele já era demais. Se dizia bom pai, que se não fosse por ele a menina era mal cuidada, mas se perguntassem da caderneta de vacinação, nem saberia do que se tratava.
As reclamações de Arnóbio não se limitavam à própria família. Ele botava defeito em tudo o que tinha. Se aparecia uma goteira no telhado, a casa inteira era uma “porcaria”. Um barulho como um “grilo” no carro era motivo para chamar o veículo de lata velha. Até o emprego, dádiva em tempos de crise, era tido por Arnóbio como ruim.
Bom mesmo só o Palmeiras. O time vinha da temporada anterior com dois grandes títulos: Copa Libertadores e Copa do Brasil. No começo do ano, enfrentaria o rival São Paulo, que há muito tempo é freguês. Mas desta vez, não foi. O Verdão estava com time misto contra um Tricolor com força máxima em um jogo que nem valia tanto. Para Arnóbio, não importava o passado recente de sucesso. Esbravejou em casa, catou o resto de tinta branca que havia sobrado do acabamento de sua fachada, faltou um dia no trabalho e foi pichar o muro do clube em protesto contra uma derrota pífia diante de tantas vitórias. Arnóbio era completo na insatisfação, mesmo que ninguém mais fosse feliz.