Durante sua meteórica e desastrosa passagem pelo Flamengo, o técnico Domènec Torrent disse uma grande verdade contra grande parte dos profissionais que cobrem o jornalismo esportivo no Brasil. Visivelmente irritado em uma coletiva de imprensa, Dome afirmou que para a mídia daqui, quando se ganha é maravilhoso, e quando se perde está tudo ruim. Sua crítica centrava fogo à falta de análise dos padrões de jogo, dos números, do que efetivamente acontece em campo durante cada partida. Criticava os extremos da notícia, os ganchos e as ênfases dadas principalmente aos resultados, independentemente de o time, seja o Flamengo ou qualquer outro, ter jogado bem ou mal, ou ainda vir em uma escala evolutiva.
Dome está certo, mas em parte.
Em primeiro lugar, o espanhol comete uma injustiça contra todos os profissionais de imprensa sérios que fazem seu trabalho além do superficial.
Ainda olhando do ponto de vista da imprensa, o que são as manchetes senão a transcrição dos fatos em uma ou duas linhas? E para que atraiam a atenção do leitor, precisam ser mesmo chamativas. Há uma indústria por trás disso que vende e se abastece de notícias. Quando um time perde, por mais que tenha jogado melhor, tido mais posse de bola, acertado mais passes, fica mesmo é o resultado. E para além da manchete, deverá constar na reportagem uma análise. Aí se diferenciam os bons dos superficiais. O que não dá é para colocar todo mundo na mesma conta.
Fora da análise midiática, voltemos ao futebol para refazer a mesma pergunta, sob outro ponto do vista. Os times querem jogar bonito ou ganhar jogo? Esta é uma discussão antiga, e por ela passa a tese do “futebol arte” contra o pragmatismo retranqueiro. Seja qual for a escolha tática do comandante, aposto que a torcida quer ver seu capitão levantando a taça de campeão. Resultados ficam marcados na história.
De nada adiantou o jogo bonito do Barcelona de Pep Guardiola e a total dominação de posse de bola contra aquele Chelsea que jogava na retranca. O confronto válido pela semifinal da Liga dos Campeões de 2012 serve como exemplo disso. Eu, particularmente, gosto de jogo bonito, mas a narrativa dos vencedores sempre sobrepõe as nuances existentes em cada partida.
Todo esse arrodeio foi para chegar ao entusiasmo passado da conta por parte da torcida do São Paulo após a vitória sobre o Flamengo na quarta-feira (18). O Tricolor vem em uma temporada desastrosa, com eliminações vexatórias e, apesar do péssimo desempenho nas competições de mata-mata, ocupa a ponta de cima da tabela no Brasileirão e segue avançando na Copa do Brasil. O técnico Fernando Diniz, questionado a todo momento, foi bancado pela diretoria. Do outro lado, um Flamengo que além de não ter acertado seu futebol desde a saída do técnico Jorge Jesus, tinha apenas uma semana de trabalho sob o comando de Rogério Ceni e estava com desfalques importantes.
Pois bem, bastou o São Paulo eliminar o atual campeão brasileiro e da Libertadores para Fernando Diniz, antes tão xingado, virar um semideus. Nas redes sociais, uma enquete comparava em importância histórica o futebol do São Paulo de Fernando Diniz ao carrossel holandês de 1974 e ao tiki-taka de Guardiola. Diniz é “revolucionário”, diziam. Menos, né, gente? Vamos deixar ele ganhar algo antes para que possa entrar para a história por mérito. Por enquanto Diniz ainda é só Audax, sorte, promessa e conversa.