O que é mais representativo na identificação do torcedor com seu clube? As cores? A camisa? Os títulos? A história? Ou seria a vivência na arquibancada, sorrindo e chorando junto, nos momentos decisivos? Não dá para matar a questão escolhendo apenas um ponto. Porém, dos citados aqui, faltou escudo. É nele que pensamos imediatamente diante de qualquer menção. Quando o escudo é alterado, morre um pouco do torcedor que guarda memórias afetivas a partir daquele insígnia. O símbolo, para ele, é mais do que sagrado.
Na Europa são muitos os casos de clubes tradicionais que resolvem mudar seus escudos. A troca mais recente aconteceu na gigante Juventus, da Itália. Outros italianos também acumulam mudanças nos seus brasões. Torino e Milan são dois exemplos na Série A que já passaram por ressignificações emblemáticas. No futebol inglês também há vários exemplos. Dos grandes, o Manchester City está entre aqueles que resolveu dar uma repaginada recentemente.
Seja qual for o motivo, é difícil para o torcedor aceitar. No City, ao menos o novo escudo tem ‘cara’ de escudo de time de futebol, diferente da Juventus, que adotou a letra J, super reestilizada, e que mais parece remeter a qualquer outra coisa, menos a futebol. Morreu no escudo velho um pouco da história do time. Ou talvez o velho seja eu, aqui, opinando sobre os escudos alheios.
No Brasil, é grande o rebuceteio toda vez que algum clube ameaça fazer essas mudanças. Da elite, o mais recente foi o Atlético Paranaense, que até de nome mudou. Agora se chama Athletico e também recebeu um escudo todo modernoso.
Mas de todos os casos de clubes do mundo, o mais legal é, de longe, o do Esporte de Patos. Isso porque o emblema tradicional trazia no centro a imagem do Pato Donald. Sim, aquele mesmo, o famoso, criado por Walt Disney e também conhecido por ser amigo do Mickey Mouse.
Era quase folclórico ter no símbolo oficial de um time de futebol brasileiro a figura de um personagem da Disney.
O “era” se dá porque, infelizmente, o Esporte de Patos mudou seu escudo para algo mais triste, genérico, sem nada daquela mágica de antes. Chegava a ser cômico, sim, mas carregava junto a irreverência de um clube que pouco se importava com os direitos autorais, como se o Donald fosse deles e ponto.
“Rapaz, isso na época causou uma revolta tão grande! Imagina só se faz algum sentido trocar o escudo do time porque a Disney mandou tirar. Que conversa!” - me disse um torcedor do Esporte de Patos, indignado, ao lembrar da história, mesmo após alguns anos depois do ocorrido.
O torcedor apaixonado pelo escudo tradicional seguiu com argumentos que, partindo de Patos, fazem a teoria do direito autoral parecer estapafúrdia.
“Primeiro que a Disney não faz ideia do que danado é o Esporte de Patos. Onde é que a Disney vai vir em Patos reclamar? Segundo, será que a Disney criou o pato Donald primeiro mesmo? Sei não”, e, pra terminar, arrematou: “Isso se brincar foi safadeza do presidente da época que arranjou um jeito de vender os direitos autorais do Esporte de Patos pra Disney”.
Desde o dia em que conversei com este torcedor, a quem me perguntar o motivo da troca, é a tese dele que eu defendo.
*coluna publicada originalmente na edição impressa de 06 de novembro de 2020.