Parece chover no molhado dizer que a profissão de técnico no Brasil é instável, que clubes pouco se importam em implementar um trabalho a longo prazo, e ainda, mais comum e extremamente cristalizado no imaginário coletivo até mesmo para quem pouco acompanha o noticiário esportivo, que quando tudo vai mal no time, trocar o treinador é sempre a solução mais fácil. Fica evidente que, na verdade, a culpa é da diretoria. Para sair do raso, vamos adentrar na discussão sobre técnicos, mercado da bola e gestão esportiva.
Nesta semana, o centro da discussão foi a transferência do técnico Rogério Ceni do Fortaleza para o Flamengo. Nessa novela envolvendo o M1to, há muito a se observar. Maior ídolo de todos os tempos do São Paulo por sua trajetória como goleiro do time, Rogério já estava apalavrado com as duas candidaturas que concorrem à presidência do Tricolor nas eleições deste ano. De acordo com os bastidores do Morumbi, qualquer um que assumisse o cargo de presidente poderia contar com Ceni para o comando do time profissional no próximo ano.
Mas, antes, veio o Flamengo.
Errado o clube carioca não está, pois precisava de um técnico de alto nível para substituir o excelente trabalho desenvolvido pelo português Jorge Jesus em 2019. E no mercado nacional, ninguém tem apresentado resultado melhor do que Rogério Ceni à frente do Fortaleza. Além dos dois títulos estaduais, da Copa do Nordeste, da Série B do Brasileirão em 2018 e da participação na Copa Sul-Americana, a forma como o time comandado por Ceni joga é de encher os olhos. Bem montado, bem treinado, organizado taticamente, do jeito que deve ser.
A imprensa esportiva aproveitou a troca de Rogério no meio da temporada para lembrar da promessa do treinador de que não faria isso com o Fortaleza. Aconteceu quando ele deixou o clube cearense para assumir o comando do Cruzeiro em crise e, pouco tempo depois, encontrou no mesmo Fortaleza a acolhida após o fracasso num time que de tão afundado, técnico nenhum daria jeito sozinho.
Apesar de receberem altos salários, é injusto pôr na conta dos treinadores amor e compromisso com os clubes quando na verdade se trata de uma relação de trabalho em que, quando o clube quer romper, não há amor nenhum. E qual profissional não aceitaria a oferta da maior empresa do país no seu segmento, com possibilidade de projeção internacional para sua carreira? Foi isso que fez Rogério ao trocar o Fortaleza pelo Flamengo. Falar em ‘traição’ é desconsiderar que existe um mercado por trás disso tudo.
Para analisar a questão dos treinadores no Brasil, seus acertos e erros no comando de grandes times, é importante olhar do ponto de vista da gestão esportiva. É fácil dizer que a diretoria acertou em trazer Jorge Jesus para o Flamengo, e no caso de Domènec Torrent, colocar a culpa exclusivamente no técnico pelos maus resultados. Se o catalão foi escolhido para ser o técnico do maior clube do Brasil sem que antes tivesse qualquer trabalho à frente de um time grande, a culpa não é dele em ter aceitado a oportunidade, mas da diretoria do Mengão ao confiar que só por ter sido auxiliar de Pep Guardiola, mais uns trabalhos pouco expressivos, seriam suficientes para o tamanho do Flamengo.
Da mesma forma, a culpa por não ter seu maior ídolo comandando o time do banco de reservas é do próprio São Paulo. Deu a oportunidade para que Rogério Ceni começasse a carreira de treinador lá, mas por muito menos do que já fez de ruim Fernando Diniz, o atual treinador do Tricolor, queimaram Rogério, alegando que não era bom o suficiente. Agora, resta contar os erros de gestão, rezar para que Diniz alivie nas lambanças e chupar o dedo de olho na grama do vizinho. Para o São Paulo, Rogério Ceni ter ido para o maior time do Brasil pesou como uma cangaia bem colocada e mais do que merecida.
*coluna publicada originalmente na edição impressa de 13 de novembro de 2020.