A falta de estrutura não é problema para todas as modalidades esportivas nas quais o Brasil compete nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Não foi por falta de investimento que os brasileiros do vôlei de praia e de quadra, no masculino, foram eliminados.
Com privilégios para um ou outro esporte, é notória a diferença na estrutura de treinamentos entre atletas brasileiros e estrangeiros, e como essa falta de investimentos por parte do poder público reflete diretamente nos resultados alcançados.
O grande problema dos esportes olímpicos no Brasil vai além até de quanto o governo investe ou deixa de investir na modalidade. O gargalo é mais embaixo, envolve estruturas sociais e carências decorrentes da pobreza e da crescente disparidade social. O problema do esporte no Brasil na verdade é de classe.
A entrevista de Altobeli Silva logo após a eliminação na prova dos 3 mil metros com obstáculos foi devastadora. A visão da desesperança estava escancarada no semblante do atleta que acabara de ser derrotado não apenas pelo desempenho esportivo, mas principalmente pela desigualdade.
"Tem cara que chegou na minha frente que eu treino mais que ele", desabafou Altobeli. A entrevista pós-prova durou cerca de três minutos. Foi uma eternidade na TV, um soco no estômago que revira o espectador e expõe o avesso do Brasil que busca conquistas por meio de heróis fora da curva. Brasileiros competem contra atletas que gozam de toda a estrutura necessária.
A expressão do choro preso de Altobeli evocava lágrimas de cada um que o assistia naquela madrugada de 29 de julho, primeiro dia de disputas do Atletismo nos Jogos de Tóquio 2020. Um trabalhador vencido pelo capitalismo, indignado, questionava se valia a pena tudo aquilo. O vídeo da entrevista é eterno. Altobeli chega a dizer que sabe como seus concorrentes treinam, sabe que treina mais que eles, e o que falta? Terá que fazer um camping (vivência) com eles, para saber o que fazem além dos treinos?
O que falta a Altobeli não é material esportivo, pista de treinamento, nada disso. O que falta é dinheiro.
O caso de uma Rebeca Andrade, maravilhosa, diga-se, é exceção. E não podemos cair na falácia da meritocracia com base nas exceções.
Por mais que atletas brasileiros tenham estrutura física para treinamento, não é a mesma coisa competir contra aqueles que não sofrem nem mesmo por aperreio. O atleta de ponta num país que investe no esporte não precisa se preocupar com o que vai comer, com o transporte coletivo lotado até o local de treino, ou se o dinheiro contado da bolsa que recebe vai ser suficiente para pagar a mensalidade da escola dos filhos.
Quem passa por aperto não se concentra e não rende da mesma forma que um privilegiado. Contra isso é preciso investimento pesado, no esporte e nas demais instâncias onde a desigualdade social esteja presente.
A grande luta no Brasil deve ser para erradicar a fome e a pobreza, concomitantemente com investimentos de grande porte para a cultura e o esporte.
É desolador ver casos de atletas derrotados pela falta de estrutura, como foi Altobeli. Pelos mesmos motivos perderam Vitoria Rosa, a brasileira mais rápida nos 200 metros, mas que competiu sem patrocínio; e Darlan Romani, do arremesso de peso, que treinou até em terreno baldio, fez sua melhor marca, mas viu os adversários serem ainda melhores.
Também é preciso parar de romantizar as derrotas ao dizermos que eles são vencedores “apesar” do resultado. Eles são, sim, vencedores por tudo o que alcançaram diante de tanta adversidade, mas somos nós, enquanto nação, pelo desapreço com que tratamos nossos atletas, todos perdedores.