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ESPORTES: Injustiças históricas

publicado: 10/06/2020 08h43, última modificação: 10/06/2020 08h43

 

A crise causada pela pandemia do novo coronavírus virou do avesso o cotidiano das pessoas por todo o mundo e mexeu drasticamente com todas as atividades que acontecem sob participação coletiva. Perdemos a proximidade, o aperto de mãos, os abraços. Perdemos os toques voluntários, e também a convivência coletiva em aglomerações e multidões. Falo das vivências consentidas, claro. Como principal exemplo, a arquibancada do estádio. O empurra-empurra antes do início do jogo, o grito coletivo de gol, o abraço no torcedor desconhecido. Nada disso existe mais, ao menos não para este ano. 

Os cartolas que mandam no futebol têm discutido e pressionado governantes em todo o mundo pela volta do calendário esportivo. Diversas são as propostas possíveis, tantas quanto as argumentações a favor e contra o retorno. Fato é que o distanciamento social é a melhor forma de evitar a disseminação do vírus, e por mais que sejam adotados protocolos rígidos para proteger os atletas, o futebol é feito por muito mais gente, desde os profissionais que trabalham no suporte de limpeza do estádio, passando pela preparação do campo, até aqueles que auxiliam os jogadores, como massagistas e roupeiros. Basta um atleta assintomático para colocar em risco diversas famílias, mesmo que o espetáculo aconteça sem público. 

Além dos riscos, do sistema de saúde sobrecarregado, dos mais de 414 mil infectados e 25 mil mortos somente no Brasil, façamos um breve exercício de advogado do diabo para abordar outros argumentos, já que estes não servem para quem defende o retorno da ordem natural das coisas, como se fosse possível simplesmente acionar um interruptor e religar tudo.


A favor

“Diante da pandemia, as pessoas estão isoladas em casa. O entretenimento é importante. Não podemos deixar o futebol pagar por isso. As pessoas precisam ter seu lazer, nas suas casas, pela TV, com toda segurança. Além do mais, os atletas também estarão seguros. Vamos trazer de volta a alegria do futebol, será um alento neste momento tão difícil”. 


Contra

Diversos segmentos da sociedade acumulam prejuízos financeiros. Não há por parte do governo federal nenhum plano econômico efetivo para o enfrentamento à crise, algo que dê suporte às médias e pequenas empresas, principalmente. O desemprego atinge níveis absurdos. Como fica então o cidadão que está em casa, passando por grave dificuldade em suas contas, seja por desemprego, inatividade do seu pequeno negócio, porque o auxílio emergencial não chegou ou não foi suficiente, e se depara com a notícia de que o futebol voltará? Quando dirigentes e governos articulam para a volta do esporte enquanto diversos serviços estão fechados por serem considerados não essenciais, a mensagem transmitida ao cidadão é de que o futebol é mais importante do que o trabalho daquela pessoa, que está fechado por uma questão de saúde pública.

Quem quer a volta do futebol não está preocupado com lazer, alegria, saúde pública, economia, vidas, integridade dos atletas, muito menos com o torcedor que perdeu o emprego. A preocupação é única: os patrocinadores. Por isso a volta num formato exclusivamente midiatizado. 

E como fica o futebol que não é televisionado, como o paraibano, por exemplo, e seus pequenos clubes, que dependem da presença do torcedor no estádio? 

O certo é só voltar quando a reabertura for completa e segura para todos, incluindo aí os pequenos clubes. Ou se faz por todos, ou não faz. Voltar com os grandes só irá reafirmar injustiças históricas.

*publicado originalmente na edição impressa de 29 de maio de 2020.