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ESPORTES: Jesus na cruz

publicado: 17/08/2020 11h23, última modificação: 17/08/2020 11h23

 

Um título brasileiro incontestável, onde atropelou adversários com um futebol muito acima da média dos outros times. Uma Libertadores da América como há muito não se via. Um segundo lugar na disputa do Mundial sem fazer feio diante do impecável Liverpool de Mané, Salah e Firmino. Isso sem contar títulos de menor expressão, também conquistados na incrível temporada do Flamengo sob o comando do técnico Jorge Jesus. E, apesar de todos os trunfos, parte da torcida faz questão de colocá-lo na cruz. 

Se Jesus optou por trocar o Flamengo pelo Benfica, teve seus motivos além da questão profissional. Trata-se de um clube maior, e também de poder viver em seu país. Alguns pontos ultrapassam os aspectos financeiro e de carreira.

Mesmo que ele tenha optado pela carreira, e até se a passagem pelo Flamengo tiver sido planejada para ganhar visibilidade, pois é público que o treinador vinha em baixa no mercado internacional treinando o árabe Al Hilal, é preciso ter maturidade para entender que contratos podem ser desfeitos, que a relação entre clubes e profissionais é estritamente comercial e que, apesar de o mito do “amor à camisa” já não mais existir desde a década de 1980, há frutos a serem colhidos. 

Após a vitoriosa temporada do Flamengo, rivais se ocuparam em reclamar de uma suposta dominação também midiática do time, como se a imprensa nacional só falasse do Flamengo de Jesus, Gabigol e companhia. É fato que os holofotes estavam sobre os rubro-negros, mas também deve-se considerar o tamanho da torcida, a audiência gerada por qualquer conteúdo do Flamengo, e ainda o reflexo dos resultados esportivos. 

Se questionam a maior visibilidade dada ao Flamengo além destes aspectos, isso é um problema que envolve Rede Globo e clubes cariocas sobre direitos de transmissão e que impulsiona torcidas para esses clubes por todo o país desde os tempos de Zico e Roberto Dinamite. Um mal que criou gargalos, esvaziou estádios pequenos e arrefeceu corações por clubes menores para valorizar o futebol pela tevê. É assunto complexo, não cabe na coluna de hoje.

O ponto que talvez mais incomode a torcida adversária do Flamengo deve ser o discurso de que o clube está em “outro patamar” em relação aos demais brasileiros. Claro que se trata de exagero dizer que o Flamengo está no nível de disputar uma Champions League, mas o que Jorge Jesus fez em termos técnicos elevou o Flamengo a outro nível sem que o time detivesse um elenco impecável, como tinha Vanderlei Luxemburgo, por exemplo, com o Palmeiras de 1993-1994.

Já sem Jesus, o Flamengo procura um substituto para o cargo de técnico. E a maior prova de que o português elevou o patamar não só do time, mas do padrão de pensamento sobre comando tático no clube é que entre os nomes cotados não paira nenhum refugo dos medalhões brasileiros que tanto rodam e voltam aos mesmos lugares, com seus mesmos supersalários, e apresentam os mesmos resultados em campo. 

Não quer dizer que nada no Brasil preste, que nenhum treinador seja bom. Mas foi preciso um técnico do segundo escalão europeu para mostrar que o nosso nível está abaixo da média, e diante do trabalho apresentado, não há o que se questionar. Além do Flamengo, o futebol brasileiro tem a agradecer ao técnico português e desejar-lhe boa sorte em sua nova fase, no Benfica. Aos torcedores, recomendo que em vez de jogar pedras, aceitem Jesus. 

*coluna publicada originalmente na edilção impressa de 23 de julho de 2020.