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ESPORTES: Nem todo clube tem dono

publicado: 04/09/2020 00h03, última modificação: 25/09/2020 09h57

tags: corinthians , felipe gesteira


Há muito se discute a respeito do investimento de verba pública em clubes de futebol. Do ponto de vista legal é difícil contestar, pois os clubes passam por uma série de critérios e editais para poder receber o dinheiro advindo de prefeituras e governos estaduais. Do outro lado fica o questionamento ideológico. Quem é contra que se gaste dinheiro público com futebol costuma alegar que o mesmo valor poderia ser aplicado em serviços essenciais, como saúde e educação. 

A justificativa sobre serviços essenciais como desculpa para não se investir no futebol parte de quem não tem dimensão do que é, em sua essência, o futebol, e por isso o ponto de vista torna-se reducionista e ideológico. 

Futebol é mais que esporte. É religião. É cultura. É lazer. É fato social. É, portanto, essencial. Futebol jamais será “só futebol”. 

Além deste ponto de confronto sobre necessidade ou não, existe um segundo argumento da parte dos contrários aos investimentos nos clubes: como será feita a gestão do dinheiro, já que sai do ente público para o ente privado e passa a ser gerido sob influências e interesses que nem sempre estão ao alcance do torcedor. 

Quando um governo investe no clube de futebol, não quer dizer que está pensando em fazer política para agradar aquele time ou seus dirigentes. Há toda uma cadeia que se beneficia, e a competitividade do time na esfera esportiva também traz resultados econômicos. 

No entanto, vale sim questionar como é feita a gestão desse dinheiro. Se a verba é para o povo e o clube é - ou deveria ser - do povo, só faz sentido ser aplicada onde há abertura para que sócios-torcedores participem do processo democrático. Quem quiser gerir dinheiro sem qualquer questionamento, que vire empresa, ou se venda aos grandes investidores.

Para a aplicação da verba pública, requere-se, moral e eticamente, os mesmos princípios dos entes públicos. Transparência e democracia são necessários, assim como afastar qualquer indício de relação escusa.

Imagine no poder público um gestor ser flagrado roubando, ter seu afastamento determinado pela Justiça, porém continuar a influenciar nas decisões e aplicações dos investimentos, e ainda manter força política para negociações. Seria aceitável? Compactuar com esse tipo de gestão e ainda tratar a união das tendências políticas, considerando a impedida legalmente como algo aceitável, é o mesmo que festejar uma gestão pactuada entre poder público e crime organizado.

Parabéns, Corinthians 

“O Corinthians é muito mais do que um clube de futebol. O Corinthians é uma religião, é uma grande nação, mas, muito mais que isso, o Corinthians é uma voz. O Corinthians é uma força. É uma forma de expressão que a sua população tem. Num país em que os mais fracos social, política e economicamente não têm voz nunca, nesse caso, têm. Através do Corinthians eles conseguem se manifestar. A torcida corintiana utiliza o seu clube, o seu time, a sua expressão física como forma de contestação de tudo aquilo que não lhes é dado de direito.”

O texto acima foi extraído de uma gravação em vídeo do Doutor Sócrates, ídolo do Corinthians e da Seleção Brasileira, que viralizou nas redes sociais digitais nesta semana, na passagem do aniversário de 110 anos do clube. Continua atual e extremamente pertinente, principalmente para lembrar aos mandatários dos clubes de futebol no Brasil quem são os verdadeiros donos. 

*coluna publicada originalmente no dia 03 de setembro de 2020.