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ESPORTES - O culto, o ego e o coletivo

publicado: 25/05/2020 10h40, última modificação: 25/05/2020 10h41

tags: QUARENTENA , ESPORTES , FELIPE GESTEIRA

 

O mundo está confinado. Recluso, preso, encarcerado. Quem pode está seguro em sua casa enquanto um grande mal que atemoriza toda a humanidade se espalha. Não, o coronavírus não vai passar, ir embora tal qual uma ameaça alienígena, como nos filmes de ficção científica, que vêm à Terra, arrasam parte do planeta e depois partem para outro mundo habitado. Este vírus devastador estará entre nós no futuro, o que precisamos hoje é de tempo para que os sistemas de saúde possam se organizar e receber os doentes enquanto uma vacina é desenvolvida. 

O problema é que o vírus se espalha com espantosa velocidade, os casos graves surgem numa quantidade maior que os leitos disponíveis em hospitais e a humanidade segue cativa, com medo do pior, temendo pelos entes queridos que se hoje estão bem, de toda forma são vítimas em potencial. Distanciamento social é a medida mais eficaz de “esperar” o vírus passar, e nos distanciamos de tudo o que envolve interação externa. Lazer, cultura e esportes foram drasticamente ressignificados. A rotina de quem era apenas espectador, ou de quem mantinha uma prática esportiva diária, definitivamente não é mais a mesma. 

Desde quando nos propusemos a entrar neste isolamento, tornou-se popular o termo “quarentena”, que remete a um período determinado de afastamento, mas que para o momento atual transfigurou-se em seu significado para um tempo indeterminado. Não sabemos quanto vai durar, sabe-se apenas que o isolamento é a forma mais eficaz de evitar a disseminação do vírus, e que, com o exemplo dos países que já passaram pela pior fase, quanto mais rígida for a “quarentena”, mais cedo é o retorno às atividades. Quem tem o mínimo de responsabilidade consigo e com o próximo sacrifica a caminhada, o pedal, a corridinha de manhã cedo. E já são bem mais do que 40 dias. 

A hora de os esportes coletivos e amplamente midiatizados voltarem é uma discussão ampla, pois mesmo que os atletas estejam protegidos sob duros protocolos de segurança e saúde, resta saber a quem serve este show sem público presente. São trabalhadores cumprindo contratos milionários com patrocinadores ou atletas que buscam emoção e competitividade? Cabem diversos outros questionamentos.

Para os desportistas casuais, aqueles que saem de suas casas para suar um pouco ao ar livre, há um debate com argumentos a favor e contra sobre a segurança na prática de exercícios físicos individuais. A favor, diversos pontos que orbitam em torno do ego, sob a falsa alegação da liberdade e do direito de ir e vir, como se estivéssemos em uma situação comum, e não diante de uma pandemia. Irresponsáveis! Não há nenhuma justificativa que traga comprovação de que é seguro para si e para os outros sair para dar uma corridinha, mesmo que usando máscara. 

Há, no entanto, estudos que apontam aumento do raio de contaminação durante a prática de exercícios. E ainda, o mau exemplo, pois incentiva os outros a fazerem o mesmo. Quem sai para fazer sua “higiene mental”, como disse um suplente de vereador em protesto contra as acertadas medidas tomadas pelo governador João Azevêdo e pelo prefeito da capital, Luciano Cartaxo, preocupa-se exclusivamente com seu bem-estar momentâneo. Uma preocupação inconsequente e burra, já que, se contrair a doença, o efeito terá sido inverso. 

Neste período de pandemia, viralizou a fala do jornalista Fábio William, âncora do DF 1, jornal regional da TV Globo no Distrito Federal, ao criticar quem fura a quarentena: “Não adianta ir para ter mais saúde e morrer de covid. Até porque o caixão de covid é fechado, ninguém vai ver seu corpo bombado lá dentro". 

Essas pessoas que agem em torno de si, do culto ao corpo, do ego exacerbado e dessa necessidade de sair para praticar exercícios físicos, mesmo que isso represente uma ameaça aos outros, são egoístas que personificam o hedonismo pós-moderno, sustentado por um novo modo de ser advindo das redes sociais. Escorpiões diante do fogo, ou de qualquer mal que ameace suas fachadas virtuais. 

*publicado originalmente ne edição impressa de 22 de maio de 2020.