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ESPORTES: O ego e a saúde mental

publicado: 09/04/2021 08h00, última modificação: 15/04/2021 11h25


Um ano de pandemia. O país alcançou a trágica marca de 4 mil mortes em um único dia. Não existe novo normal. A vida segue com familiares e colegas de trabalho que ficaram pelo caminho, muitos deles porque a vacina não chegou a tempo. Os costumes já não são mais os mesmos, mas a rotina segue para muitas pessoas.

Marina gosta de fazer exercícios físicos diariamente. Precisa deles. A prática diária é mais do que autocuidado apenas com o corpo, ultrapassa qualquer questão sobre estética, apesar de haver, sim, um bem-estar ligado à autoimagem. O motivo principal da rotina de atividades é a saúde mental. Marina encontrou no esporte a válvula de escape para todos os problemas, seja de ordem conjugal, profissional, ou mesmo os de foro íntimo, aqueles que não contamos nem mesmo diante do espelho. 

Todos os dias Marina tem Ciro como companheiro na rotina de esportes. Há cinco anos eles correm juntos. O hábito do casal começou quando Ciro sofreu um infarto e seu cardiologista orientou que ele mudasse radicalmente de estilo de vida. O fumante, obeso e hipertenso tornou-se um homem saudável, exemplo de longevidade. 

Fora das longas distâncias, mas próximos de um lazer associado à corrida de rua, ambos saem juntos, religiosamente às 5h do final da avenida Argemiro de Figueiredo, percorrem a orla da praia do Bessa, atravessam o limite entre João Pessoa e Cabedelo e param para tomar uma água de coco na praia de Intermares. A depender do dia, voltam correndo ou andando, de mãos dadas, em um romance que também é contemplativo. 

A pandemia de covid-19 transformou a rotina das pessoas no mundo inteiro. Não seria diferente com Marina e Ciro, nem mesmo no momento de lazer. Correr passou a ser um remédio necessário. É preciso continuar em movimento por conta de todos os benefícios proporcionados pelo esporte. No entanto, nada de parada para água de coco, caminhar de mãos dadas, admirar o mar. 

Correr usando máscara de proteção facial era para Marina a parte mais angustiante de tudo. Sufocante. A dificuldade na troca de gases com o meio externo, o calor do ar dentro da máscara, a própria sensação de cansaço aliada à ansiedade causada por todo o contexto da pandemia. Sair de casa para correr de máscara tornou-se uma rotina difícil, porém ainda necessária. Marina se amparava na corrida porque apesar de não ser possível esquecer da pandemia, ao menos por um momento conseguia vencer o torpor sem recorrer ao uso de drogas. Nada disso era normal, mas ela nunca trocou segurança por conforto em meio à pandemia.

Ao seu lado, ou um pouco à frente, já que conseguia correr de forma mais leve, ia Caio. Sem máscara. O marido se recusava a usar. Experimentou uma única vez, no início da pandemia, quando o uso nem era obrigatório para a prática esportiva. Alega que não há tanto risco assim de contágio. Viu uma blogueira dizer no Instagram que nem faz bem praticar esportes usando máscara. Caio nunca usou e segue sua rotina, bem de saúde, contra todas as recomendações. 

Nesta manhã do segundo mês de abril da pandemia, Caio corre em ritmo mais intenso. Cruza com diversas pessoas, algumas usando máscara, outras sem nenhuma proteção. A cena dá a entender que o uso é opcional, como se não houvesse um decreto estadual obrigando o uso. A Polícia está na orla para disciplinar, mas finge não ver. Caio volta para sua casa vazia. Marina espera por uma vaga de UTI para tratar a covid-19. 

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 09 de abril de 2021.